Mulheres de tempos diversos | Crítica de “Antígona – A retomada”

por Vendo Teatro
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Foto: Kleber Santana

Por Aline Lima
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, março de 2024

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio

– Metade, Canção de Oswaldo Montenegro

“Antígona – A retomada” estreou no dia 08 de março, dia internacional da Mulher, e seguiu em sua breve temporada até o dia 10 de março, se apresentando no Teatro André Filho/Espaço Fiandeiros. Trata-se de um solo, interpretado por Márcia Luz e dirigido por Quiercles Santana, ancorado na tragédia grega “Antígona”, escrita por Sófocles por volta de 442 a.C.

Falando brevemente da tragédia escrita por Sófocles, temos Antígona, uma jovem princesa que luta contra seu próprio tio e Rei de Tebas, Creonte, para ter o direito de enterrar seu irmão Polinices, morto em combate. Creonte impõe leis que proíbem honrarias fúnebres à Polinices, desrespeitando a antiga crença de que todo homem deve ser sepultado para que a alma não fique vagando sem destino.

No solo, Márcia Luz é Antígona, e o início se dá com a personagem tentando convecer sua irmã, Ismênia, a quebrar as leis impostas por Creonte. Esse momento inicial dura por um longo período, há bastante texto e quase nenhuma movimentação, pois a atriz narra tudo por um microfone em um pedestal. Ainda assim, a intérprete consegue nos manter atentos, graças às suas expressões, entonações, e alguns momentos de quebra de ritmo, como um riso exagerado no meio da fala. Claro que, também, o próprio recorte do texto (prólogo), colabora para manter nosso interesse, pois, além de contextualizar a história, trata-se um dos trechos mais comoventes da dramaturgia, em que temos uma Mulher clamando ajuda à sua irmã para enterrar o irmão morto. E, tendo sua súplica negada, decide enfrentar a tudo e todos sozinha.

A partir daí, o solo passa a friccionar a dramaturgia com outras referências, a começar com a vida pessoal da intérprete, que nos revela que a peça “Antígona” fez parte do início da sua trajetória no teatro. É nesse momento também que a atriz nos joga a reflexão: “O que Antígona, tragédia escrita há tanto tempo, tem a nos ensinar hoje?” Outras referências surgem para se relacionar com a dramaturgia principal: Histórias de outras Mulheres, mães que não conseguem enterrar seu próprio filho. É mostrado, assim, o sofrimento da irmã, da mãe, da Mulher que perde seus entes queridos para a guerra, o fascismo, o ódio.

São de fato tocantes as histórias que se entrelaçam ao longo do espetáculo. Temos o próprio texto clássico, que, particularmente, é uma das minhas peças teatrais favoritas, e temos os outros relatos que dão ainda mais força ao discurso de Antígona. E, claro, tudo isso é amplificado com a assertada atuação de Márcia Luz.

Há poucos elementos em cena. O chão é coberto por areia, que representa o deserto em que Antígona enterra seu irmão. Em certos momentos, temos algumas imagens bem bonitas, como quando a atriz segura acima da cabeça um recipiente com velas acesas, no quase completo escuro do teatro, e elas parecem estar flutuando, ou quando segura uma peça de roupa de forma a representar um corpo morto em seus braços. São imagens belas e marcantes. Apenas senti falta de maiores nuances ao longo de todo o espetáculo, algo que nos saltasse aos olhos ou nos emocionasse para além do que foi feito.

Em seu momento final, o solo volta à personagem principal, agora revelando à Creonte que enterrou seu irmão. Vemos então uma Mulher extremamente forte, que enfrenta as leis impostas por um fascista para lutar pelo que acredita. “Antígona – A retomada” apresenta Mulheres de tempos diversos e nos faz lembrar que todas nós somos um pouco de Antígona.

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