Amor e seu Tempo | Crítica de “Tudo Sobre o Amor”

por Vendo Teatro
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Foto: Bismarck Passos

Por Matheus Campos
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro de 2024

Amor é privilégio de maduros
[…]
É isto, amor: o ganho não previsto
O prêmio subterrâneo e coruscante,
[…]
Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. Amor começa tarde.
— Carlos Drummond de Andrade

Assim como Drummond, tantos outros artistas antes e após ele falaram sobre o amor, na verdade, tentaram e talvez tenham todos, absolutamente todos fracassado ou, talvez, quem sabe, tenham todos alcançado o mais absoluto dos êxitos. Todavia, é desconhecido quem já não tenha se arriscado ao poético, filosófico ou científico a fim de determinar o conceito de amor, e todos, sem exceção, sabiam e sabem sobre a vagueza imbricada ao objeto da discussão, de modo que,  permitam o atrevimento desse absoluto leigo e ignorante escritor a conjecturar que a resposta seja “o entre”. É isto. Quiçá, o amor seja o entre. 

Em consonância com os demais que antes tentaram, o Coletivo Clímax de Teatro fez a sua tentativa, nos palcos do Hermilo Borba Filho, pela trigésima edição do Janeiro de Grandes Espetáculos. Sob a direção de Bruna Luíza Barros, temos uma montagem estudantil que é, aparentemente, uma livre inspiração debruçada no texto de Betty Milan — A Trilogia do Amor —, objetivando uma breve discussão sobre o que seria o amor.

Intitulada como Tudo Sobre o Amor, a teatralidade é dividida em uma sequência não exatamente linear e conexa de cenas — intituladas por projeção em um telão, lembrando o estilo cinematográfico de Tarantino  —, sempre marcadas pela presença de personagens arquétipos, como o lutador (boxeador) obcecado pelo combate, a stripper que não mais consegue falar em português e o ator patologicamente narcisista. As cenas, portanto, desdobram-se em uma ar bukowskiano, cujos enredos curtos e as relações entre as personagens desaguam no término de relacionamentos, na decepção, no álcool, nos desencontros e nos reencontros. 

A fim de manter maior conexão entre as cenas, para evitar que surgisse em pleno palco um formato de esquetes desconexas, além da repetição e presença das personagens arquétipos, existe a presença encarnada do amor. Essa presença encarnada nos palcos é um show à parte, como um showman, ou melhor, uma showwoman, a amor faz apresentações variadas como dança, contorcionismos, acrobacias no tecido até mesmo a feitura de singelas bolhas de sabão. O amor entrete. 

Para além do enredo, cabe destacar que a estética da teatralidade opta pelo corriqueiro, pelo clichê das coisas relacionadas ao amor, da escolha das paletas de cor aos figurinos. Mas o que já não seria clichê ao se falar sobre o amor? Além disso, os clichês ocupam a caixa dos clichês por uma razão: eles funcionam. Clichês são clichês porque funcionam e, é claro, são repetidamente reproduzidos. 

Agora, porém, cabe deixar o estético ao lado e focar na primazia do artístico como ação discursiva, como manifestação que transcende as barreiras do entretenimento e ocupa o espaço político. Nos tempos os quais vivemos, em que o verbo esperançar merece força e destaque, a informação luta constantemente contra a desinformação e não há mais espaços para a manifestação de posicionamentos descabidos e perigosos, a arte é um agente fundamental.

Por essa razão, alguns elementos na obra exigem demasia em cuidado e atenção para interpretação, pois esses são, por vezes, desafiadores e a intenção de seu uso é arisca. Se por um lado, a narrativa pode ser percebida como utilizando clichês e uma profusão de palavras, por outro, ela não hesita em abordar temáticas delicadas. O uso dos clichês somados ao repertório extenso de recursos linguísticos, por vezes configuram um quadro complexo para a interpretação, principalmente quando somados a metáforas delicadíssimas, como as relacionadas à temática do suicídio, resultando no dúbio e dificultoso para a interpretação. Como acréscimo à questão, a presença de uma atmosfera bucólica adiciona uma camada de complexidade à narrativa. 

Embora reconheçamos a ousadia da obra ao lidar com temas sensíveis de forma menos convencional, é crucial considerar a responsabilidade ética na abordagem. É inegável o valor cultural que a obra possui, pois, antes de qualquer coisa, é a atividade viva e pulsante da arte no coração do estado, convidando e promovendo a interação entre as massas e o artístico, mas também é de bom tom um convite a uma nova roupagem da obra, a fim de prover um diálogo mais aberto e respeitoso sobre esses temas, garantindo que a arte contribua para a reflexão e empatia sobre determinadas questões e metáfora, bem como sobre o próprio grande tema do espetáculo, o amor, contemplando a importância do cuidado na representação de questões delicadas.

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