O Tiro Saiu Pela Culatra | Crítica de Intrusos

por Vendo Teatro
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Foto: Divulgação/Makara de Teatro

Por Paulo Ricardo Mendes
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Agosto de 2023

“Eu aguento cinco minutos de suspense. Depois quero a vida às claras.”
Autor desconhecido

Existe um exemplo claro e didático sobre o gênero suspense, inspirado na Teoria da Bomba do cineasta Alfred Hitchcock, considerado um mestre na arte de provocar medo e tensão. Essa teoria diz mais ou menos o seguinte: imagine quatro pessoas sentadas à mesa conversando sobre um tema qualquer, sem nada demais acontecendo, até que, de repente, uma bomba explode. Consequentemente, isso provoca surpresa nas pessoas, mas essa sensação dura apenas cinco segundos.

Agora, imagine a mesma cena, porém, com um detalhe importante revelado ao público: uma bomba está escondida debaixo da mesa e, enquanto conversam distraidamente, ela explodirá em cinco minutos. Imediatamente, a emoção muda, já que o público foi informado de que algo terrível acontecerá em breve. Assim, os cinco segundos de surpresa se transformam em cinco minutos de suspense.

Certamente, produzir um filme como os de Hitchcock ou uma peça teatral explorando o gênero de suspense não é uma tarefa simples, apesar de parecer fácil como no exemplo dado acima. Isso é ainda mais verdadeiro no teatro, onde os recursos cinematográficos que ajudam a criar a atmosfera de medo ou tensão, como movimentos de câmera ou progressões de plano, estão ausentes. Portanto, o nível de entrega precisa ser ainda maior. Além disso, é necessário inovar para evitar cair nos clichês já explorados pela sétima arte ou pelos palcos. No entanto, mesmo com esses desafios, a Cia Makara de Teatro apostou nesse gênero para criar o espetáculo intitulado “Intrusos”, com texto e direção de Adulccio Lucena.

A peça, com cerca de uma hora e meia de duração, narra a história de uma família que se muda para um casarão em uma pequena cidade no ano de 1980. Enquanto se adaptam à nova residência, uma série de eventos misteriosos começa a assombrar os novos moradores. No elenco estão os atores Caio Grego, Clóvis Moreira Junior, Cristiano Primo, Guto Santana, Felipe Nunes, João Cabral, Renan Sampaio, Adúlccio Lucena, e as atrizes Tábatta Martins, Thayana Lira, Vanessa Jill Castle e Isabela Leandro.

A proposta do espetáculo, de trazer o suspense ao palco, por si só já é atraente para os aficionados por histórias desse gênero, mesmo que a trama seja convencional. E na peça é possível perceber que alguns elementos têm o poder de criar um clima de aflição, como a sonoplastia com noticiários policiais estilo “Bandeira 2”, e algumas cenas que remetem a acontecimentos passados se repetindo no presente, criando uma sensação de loop e reviravoltas, algo que geralmente funciona em suspenses.

A trama se passa em um cenário simples, com uma mesa grande de refeição e outra mesa redonda com cadeiras. No entanto, apesar da falta de grandes produções, a peça tenta usar situações imaginárias para provocar “medo”, como quando os personagens simulam entrar no porão com as luzes apagadas, guiados apenas por lanternas, ou quando um noticiário relata um envenenamento em massa na plateia de um teatro.

Entretanto, apesar dos esforços para trabalhar o gênero de suspense no teatro, alguns obstáculos surgiram durante o espetáculo, limitando de certa forma a experiência global da trama. Um desses desafios diz respeito à construção da narrativa, que, por não ter explorado de forma substancial os momentos que antecedem o clímax do suspense, tornou o impacto da história diminuto. 

Além disso, a interpretação de alguns atores também se mostrou problemática, principalmente, em cenas nas quais a atuação deveria ser determinante para a intensidade da tensão, assim como, na maneira pela qual as assombrações foi apresentada, com pouco suspense e uma performance superficial. Todavia, é importante destacar a participação do mordomo, interpretado por Clóvis Moreira Júnior, que, embora com poucas falas, conseguiu transmitir um aspecto sombrio por meio de expressões faciais. Outro destaque vai para Cristiano Primo, que interpreta o pai idoso da nova moradora do casarão e traz uma pitada de comédia à narrativa.

No entanto, talvez esse seja um dos pontos mais críticos da experiência de “Intrusos”. Os personagens acabam exagerando nas falas ligadas ao humor, transformando o que era para ser um toque cômico em um elemento que prejudica a história, que, por sua proposta, busca provocar reações diferentes, mas muitas vezes arranca risos da plateia. Em uma entrevista para o Instagram da Cia, o diretor afirmou que a ideia de levar o suspense ao teatro surpreenderia o público. Pelo que se pode perceber pela reação das pessoas, elas de fato aprovaram o espetáculo como um todo. Contudo, o tiro saiu pela culatra, já que a tentativa de criar pelo menos cinco minutos de suspense se mostrou ineficaz diante de uma plateia que achou tudo mais divertido e engraçado. Isso não quer dizer que os dois gêneros não possam coexistir, mas neste caso, um acabou se sobressaindo de forma não esperada sobre o outro.

De maneira geral, não há como negar o esforço e a coragem do elenco, assim como de toda a Cia. Makara de Teatro, de trazer o gênero de suspense ao palco, mesmo que isso signifique correr riscos. Isso demonstra que a companhia está pensando de forma criativa e ousada. Que essas ideias continuem a fluir e a se aprimorar, resultando em um trabalho cada vez melhor. Mesmo diante de um contexto cultural local cheio de desafios e dificuldades, é notório que a companhia resiste e persiste, atraindo desde os mais jovens até os mais idosos para prestigiar a peça.

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