Um passeio pelo teatro-jardim pernambucano

por Vendo Teatro
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Foto: Andrea Rego Barros

Reinaugurado no ano passado, o Teatro do Parque é palco de histórias, cultura e de boas recordações do público

Por Zé Lucas Bastos e Paulo Ricardo Mendes

No dia 11 de dezembro de 2020, o centenário Teatro do Parque foi novamente entregue aos recifenses depois de uma reforma que durou 10 anos. Infelizmente, como se não bastasse a década de espera, por ironia do destino, o Parque foi reinaugurado pelo então prefeito Geraldo Júlio em uma época de pandemia e na qual os teatros estão fechados. Ou seja: vai demorar um pouquinho para a gente realmente usufruir deste patrimônio cultural do Recife.

Por sorte, enquanto o público não pode desfrutar de apresentações presenciais, nós temos a História para nos relatar os tempos áureos e belos deste equipamento cultural. Por isso, nós da Vendo Teatro te convidamos, a partir de agora, a embarcar numa viagem para o ano de 1915, quando o Teatro do Parque foi inaugurado.

DO PENSAMENTO AO PRÉDIO: AS ORIGENS DO TEATRO DO PARQUE

O responsável pela idealização do Teatro do Parque foi o comendador português Bento Luiz de Aguiar. Ele saiu de Vila do Conde (Portugal) para o Recife já com o desejo de empreender no Centro da Veneza Brasileira e aqui construir um parque de diversões, um teatro e um hotel. Por questões de dificuldade, o comendador não conseguiu concluir seus objetivos, mas deixou um aparelho cultural que até hoje se mantém de pé na Rua do Hospício nº81 – Boa Vista.

Para que a casa de espetáculos fosse construída o comendador Bento Aguiar desembolsou 200 contos de réis, ou seja: R$24.600.000,00 (podem confiar no cálculo, pois pedimos a um amigo nosso que é engenheiro para fazer esta regra de três). O prédio conta com arquitetura no estilo art nouveau e foi erguido com aço e cimento. A decoração do Teatro do Parque tem assinatura dos pintores Henrique Elliot e Mário Nunes. Além de ser uma obra arquitetônica de alto padrão para os séculos XIX e XX, o Parque também conta com um jardim interno que faz com que ele seja um dos únicos teatros-jardim ainda existentes no Brasil.

Foto: Andrea Rego Barros

Uma curiosidade sobre o motivo de o Teatro do Parque ter um jardim em suas dependências é que os construtores pensaram na área verde para que ela ajudasse na climatização do ambiente. Sábios construtores! Ao tomar conhecimento disso, nos perguntamos à la Manuel Bandeira no poema Profundamente, “onde estão todos eles?” [estes engenheiros], afinal o que vemos atualmente entre as construções do Recife é um culto ao concreto em detrimento das áreas verdes que amenizam o calor.

Dadas as devidas explicações sobre como surgiu a ideia do Teatro do Parque e sobre a construção deste edifício teatral, vamos agora falar do dia da inauguração: 24 de agosto de 1915!

Era uma terça-feira quando a fita foi cortada para a abertura das portas do Teatro do Parque. “Estabelecimento que vem honrar Pernambuco, sendo dignos de elogios os esforços dos que edificaram contribuindo para dotar nossa cidade de uma ótima casa de diversões” (Diário de Pernambuco, 24 de agosto de 1915). Na ocasião, houve a apresentação da banda militar e da peça O 31, representada pela companhia portuguesa Theatro Avenida. A encenação era um teatro de revista escrito por Luiz Galhardo Pereira Coelho e Alberto Barbosa. Aqui já percebemos que o Parque, em seu início, foi palco do teatro de variedades, do teatro de revista.

Não podemos deixar de mencionar que os ingressos para as apresentações eram adquiridos no Hotel do Parque. Lembram que o comendador Bento Luiz de Aguiar tinha como plano, ao desembarcar no Recife, a construção de um hotel? Pois é! O Hotel do Parque foi construído ao lado do Teatro, tendo conexão direta com a casa de espetáculos, e era ali que o público adquiria os bilhetes para as récitas do Teatro do Parque. Os valores dos ingressos variavam entre mil réis (jardim) e 15 mil réis (camarotes). A ideia de ter um hotel ligado diretamente ao teatro nos mostra que o português Bento Aguiar era bem vanguardista, já que atualmente vemos esse tipo de hotel conectado a um teatro em Las Vegas (EUA), por exemplo.

CINE-PARQUE

Além de receber em suas dependências espetáculos de artes cênicas, o Teatro do Parque também é um espaço destinado ao cinema e, apesar de encontrarmos fontes que afirmam que a sétima arte teve sua estreia na Rua do Hospício nº81 apenas em 24 de novembro de 1921, há outras que alegam que a exibição de filmes começou após um mês de inauguração. Independentemente do ano em que o Cine-Parque começou suas atividades, o mais importante é destacar que o público tornou aquele espaço um dos cinemas mais frequentados da capital pernambucana.

Para aqueles que afirmam que o Cine-Parque começou suas atividades no dia 24 de novembro de 1921, a noite de estreia contou com a exibição dos seis atos de A Filha do Tigre, uma produção da FOX que tinha como protagonista a atriz Pearl White, e de dois atos da comédia Agarra-me. Além disso, registram que durante 30 anos (1929-1959), o Cine-Parque entrou no circuito de filmes falados e exibiu na telona filmes da Disney e algumas chanchadas brasileiras.

Talvez não seja por acaso que o Cine-Parque tenha entrado nesse circuito de filme falado no ano de 1929. Vamos explicar: em 1929, o comendador Bento Luiz de Aguiar faleceu e o Teatro do Parque foi arrendado para ninguém mais ninguém menos que o empresário cearense Severiano Ribeiro. Para quem não ouviu falar em Severiano Ribeiro ele é o fundador dos Cinema Severiano Ribeiro (atualmente é a rede Kinoplex). Então, os 30 anos de administração do empresário significaram o apogeu dos filmes em detrimento dos espetáculos. Inclusive, a classe artística e intelectuais recifenses fizeram pressão alegando a falta de teatros no Recife.

A partir de 1959, a Prefeitura assumiu a administração do Teatro do Parque.

REFORMAS

Durante 106 anos de existência, o Teatro do Parque passou por grandes reformas arquitetônicas.

A primeira delas aconteceu em 1929 e o objetivo dessa reforma foi adaptar o Parque para ser um cineteatro. Além disso, houve a ampliação do aparelho cultural. Percebemos, assim, só melhorias, nada de problemas estruturais.

Foto: Andrea Rego Barros

A segunda reforma, ainda de pequeno porte, aconteceu nos anos de 1950 e as portas do Teatro do Parque reabriram ao público em 1959. Ou seja: foi Severiano Ribeiro deixando a administração do Teatro, o teatro-jardim passando para as mãos da prefeitura da cidade, na época sob a responsabilidade de Pelópidas da Silveira, e as portas reabrindo. O objetivo da reforma? Fazer com que o teatro voltasse a ser o foco do aparelho cultural.

No ano de 1968, houve mais uma reforma nas instalações do Parque e dessa vez foi para conferir ao teatro características modernistas. Já em 1986, no caso 18 anos depois dessa requalificação que trouxe o Modernismo para a estrutura do espaço, a reforma teve cunho de restauração.

Em 2000, o Teatro do Parque passou por mais uma reforma. Desta vez para a instalação do sistema de refrigeração. Dez anos depois as portas do Teatro do Parque se fecharam novamente e só foram reabertas em 11 de dezembro de 2020. Vale salientar, porém, que essa reforma só começou a partir de 2013. Foram três anos de Parque fechado e se deteriorando sob a ação do tempo e o descaso das autoridades.

Nesta última longa e grande reforma, o Teatro do Parque foi, podemos dizer, totalmente reformado e restaurado, pois estava com problemas em todos os cantos do prédio. Aqui precisamos lembrar que a pressão da classe artística para que o Parque fosse reaberto foi grande; no dia 22 de setembro de 2018, por exemplo, aconteceu a 2ª Virada Cultural do Teatro do Parque. Organizada pelo Coletivo Virada Cultural Teatro do Parque objetivo da Virada foi discutir o resgate do ambiente cultural do Recife. 

TEATRO DO PARQUE E A RELAÇÃO COM O PÚBLICO

É certo que o Teatro do Parque hoje representa um dos equipamentos mais importantes para a cultura e memória da cidade do Recife, até porque como foi visto acima, o espaço é resultado de uma série de histórias e fatos que foram sendo construídos ao longo desses anos. Parte do público que acompanhou e vivenciou o espaço guarda boas lembranças desse passado não tão distante, claro, são outros tempos, mas as memórias ainda permanecem vivas.

Como é o caso da Sargento da Polícia Militar de Pernambuco, Rita de Cássia, 54 anos, que há 40 anos atrás conheceu o Teatro do Parque e desde então, não deixou mais de frequentá-lo. Apaixonada pelo universo cênico, ela conta que viajava nas histórias contadas no palco. “Sempre ia nas apresentações de dança clássica, ballet e excursões escolares”, relata. Rita explica que além de um lugar para prestigiar bons espetáculos, ali também era um local onde reunia a família para viver bons momentos juntos.

Com mais de cem anos de história, o Teatro do Parque atravessou gerações, ganhando o coração de espectadores de diferentes faixas etárias. O estudante Augusto Almeida, de 26 anos, por exemplo, recorda do primeiro contato que teve com o Teatro num passeio promovido pelo colégio, por volta dos seus 6 anos. Sua mãe também fazia questão de o levar quando tinha alguma peça infantil. “Lembro de fazer fila indiana com meus colegas de turma, de comprar pipoca na frente, sempre pedia a doce. Ficava fascinado com os desenhos na paredes e fazia questão de tirar foto com os personagens”, relembra.

Uma das primeiras peças que Augusto se lembra de ter visto foi a da Pequena Sereia, na qual despertou a vontade nele de aprender a nadar. “Queria ser um tritão e desbravar o mar igual a Ariel. Também tenho lembranças com o Palhaço Chocolate, onde sempre animava a plateia antes de começar a apresentação. Ficava jogando o biscoito do palco e fazia todo mundo se divertir, além de agitar para que as crianças começassem a bater palmas, mas logo virava uma gritaria”, pontua.

Outra frequentadora do equipamento cultural é a professora Diana Mendes, 52 anos, que assim como Augusto, também se recorda das apresentações do Palhaço Chocolate. No caso dela, ia levar os filhos para assistir os filmes e as peças que estavam em cartaz. “Meus filhos adoravam brincar no balanço, enquanto aguardava liberar a entrada para o teatro. Eles amavam ser recebidos pelos personagens, que ficavam na entrada para receber o público”, conta Diana.

Prestes a completar 46 anos de carreira, Ulisses Dornelas, o Palhaço Chocolate lembra com muito carinho das apresentações realizadas no Teatro do Parque. “Tenho uma memória muito viva do tempo que passei naquele espaço, de pisar no palco e de brincar com as crianças, das fotografias expostas no hall, da escadaria, do teatros-jardim. O Teatro tem uma importância muito grande na minha vida, se apresentar lá é a felicidade de qualquer artista”, afirma.

Em quase 20 anos se apresentando no Teatro do Parque, espetáculos da trupe do Palhaço Chocolate, como a Bela Adormecida, Sonho de Primavera, O Hipopocaré e o Circo do Chocolate fizeram a alegria da criançada. “Sei que muitos daqueles que acompanharam meu trabalho hoje são avós, tiveram filhos e agora levam seus filhos para assistir ao Palhaço Chocolate”, informa Dornelas.

Espetáculo “A bela e a fera”. Foto: Ivaldo Bezerra

De formas diferentes o Teatro do Parque fez parte da vida dos frequentadores e da cidade do Recife. Todas essas memórias contadas acima influenciaram de algum modo na construção da identidade dessas pessoas e no ser humano que é hoje. Até porque, como explica o artista-bailarino, Doutorando em Antropologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pedagogo, Diorge Santos, “a identidade se constitui a partir das vivências, dos vínculos sociais em que está inserido o sujeito”.

Segundo Diorge, quando o cidadão tem desde cedo o contato com a cultura, a tendência é que sejam formados pessoas mais críticas e autônomas em nossa sociedade. “Se esse contato é estimulado na infância, questão como respeito à diversidade e gênero, posicionamento político, falas e ações mais fundamentadas vão sendo construídas, e as instituições reguladoras existem para de certo modo reforçar isso, tais como as escolas formais, escolas de artes etc”, observa o pedagogo.

No caso do Teatro do Parque, em específico, o artista-bailarino sente que quando vai visitar o local é transportado para outra atmosfera. “É como uma viagem no tempo, mas ele está ali, no centro da cidade, em meio ao caos. Todavia, nele esquecemos do corre-corre diário no Recife”, ressalta Santos.

Com o fechamento do equipamento cultural para reforma, o público precisou esperar alguns anos para então puder reviver tudo aquilo que já havia experienciado; inclusive, esse fechamento foi o motivo que fez o Palhaço Chocolate se apresentar no Teatro Boa Vista, local que está até hoje. O estudante Augusto Almeida lembra que quando soube do encerramento das atividades no espaço lamentou o ocorrido porque gostaria de ter passado a adolescência frequentando o teatro. “Queria ter levado os meus irmãos mais novos também para vivenciar a mesma experiência que eu tive, mas como ficou muito tempo sem funcionar, isso não foi possível”, informa.  

Com a reinauguração, após mais de 10 anos de reforma, o espaço voltou a receber o público e alguns espetáculos para comemorar esse retorno. A professora Diana Mendes ainda não teve a oportunidade de conferir o teatro revitalizado, mas já deixou claro a sua vontade de ir com seus filhos, hoje já adultos, assim que a situação da pandemia melhorar.  Na visão de Ulisses, o Palhaço Chocolate, a volta do espaço vai ajudar os artistas e o povo pernambucano a reviver o centro do Recife com mais história, alegria e cultura.

O TEATRO DO PARQUE PÓS-REFORMA

No final do ano passado, o Teatro do Parque reabriu as suas portas ao público. Na programação de reabertura se apresentaram o espetáculo Vozes do Recife, da Companhia Fiandeiros de Teatro e no dia seguinte ocorreu a exibição do filme O Canto do Mar, de 1952, do diretor Alberto Cavalcanti.

Espetáculo “Cavalo”. Foto: Thierri Oliveira

Recentemente o Teatro do Parque foi palco de alguns espetáculos que integraram a programação presencial do Janeiro de Grandes Espetáculos, sendo eles “Cavalo”; “O espelho da Lua”; “Ópera d’água”; e “O Botequim”. Devido ao lockdown, provocado pelo aumento no número de casos de pessoas com covid-19 ele precisou ser fechado temporariamente nesses 10 dias, mas desde a sua reinauguração vem recebendo visitantes de segunda a quarta-feira, das 09h às 12h.

Para participar dessas visitas guiadas não precisa realizar um agendamento prévio, mas é preciso respeitar os protocolos de segurança, utilizar máscara e as visitas devem ser em grupos de até 10 pessoas, com intervalo mínimo de 30 minutos entre um grupo e outro.

Enquanto não passa esse período mais crítico do vírus, é possível fazer uma tour pelo teatro de casa mesmo, acessando AQUI . A proposta dessa experiência virtual tem o objetivo de mostrar para o público o resultado de 10 anos de reforma e restauração. Confira abaixo o processo de requalificação:

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