Foto: Lucas Oliveira
Mais uma sexta-feira cansada no Recife, pós-carnaval, a cidade não quer guerra com ninguém. Eu sempre às pressas, correndo para dar conta de tudo que fosse necessário, nem esperava, Line, nossa produtora da VT, me manda mensagem no whatsapp: “- Consegui os ingressos!” A resposta da produção chegou tarde, tudo em cima da hora, a semana cansada de novo… eu em C A M A R A G I B E!, faltando vinte minutos para começar o espetáculo: – Eu vou!, eu disse.
E fui, na garupa de uma moto perigosa, para descer na rua da saudade e ver uma movimentação maravilhosa, meus irmãos faziam festa de macumba no meio da rua, e dentro do Teatro André Filho, da fiandeiros, o espetáculo rolando… Cheguei já havia começado, entrei quebrando aquela atenção majestosa que o público tinha, isso já me encantou. O sonho começou, a história ganhando vida na minha frente, naquelas figura inanimadas que tanto dialogam com a nossa necessidade de fazer ficções.
O espetáculo conta a história de Benedicta Cypriano Gomes, mais conhecida como Santa Dica, que foi uma líder religiosa e comunitária de Lagolândia, em Goiás, que teve grande destaque na luta em defesa da terra e dos mais oprimidos. A partir da técnica de manipulação de bonecos, a Cia Burlesca, do Distrito Federal em passagem pelo Recife, está há quinze anos espalhando por todo o país a história e os feitos desta grande mulher na luta social brasileira.
E a história ganha seus desenrolamentos, o espetáculo é uma narrativa esperançosa sobre a luta diante da história de opressão, terra, humanidade; os bonecos atraem o público e a boa emoção do inanimado ganhando vida também. É bonito vê-los vivos nas tantas formas diferentes de manipulação que são vistas em cena, é sensível e essa sensibilidade é o que constrói a beleza do espetáculo, porque, sim, estou defronte a um belo exemplar do teatro.
Mas percebo, também, que se o elenco constrói um trabalho com o corpo mais técnico, elaborando uma partitura mais específica, o espetáculo fica ainda mais robusto, pois sinto que quando a manipulação conversa com o público fora da atmosfera física do boneco, a gente fica querendo permanecer naquele lugar, ou pelo menos eu fico. Infelizmente algumas falhas técnicas existiram, como a sonorização em desalinho como o volume das vozes do elenco, mas nada que atrapalhe a magia e a mensagem da obra. E é tudo que a gente quer, no teatro ou na vida (que não se dissocia), acontecer-existir para além das adversidades que nós encontramos pelo caminho.
O espetáculo é lindo, tem uma necessária contemporaneidade quando os manipuladores também atuam, quando o bonequeiro também ganha evidência; tem uma variedade de tipos de manipulações, claramente se posiciona politicamente, denuncia e nos aguça a terra, a luta e a liberdade; a lembrar a força da mulher e de gente que constrói o bem e não morre nunca.
A terra bate em mim com muita delicadeza e ousadia, para mim é uma chave falar da terra e de tudo que ela nos agrega. Nós somos a terra, nós partimos e vivemos com e por causa dela, e a grande violência do sistema foi nos tirar a/da terra. Mesmo depois de mais de quinhentos anos do início da colonização, a parcela do nosso povo que entende sua natureza terra ainda sofre por não poder existir em plenitude, a história de Santa Dica é uma inspiração para combinarmos de não mais morrer e retomarmos a terra que é nossa e que é a gente mesm@s.
*Conteúdo Incentivado pelo Funcultura
Vendo Teatro – Incentivo Funcultura 2022/2023
Proponente, coordenadora e criadora de conteúdo: Aline Lima
Produção Executiva: Sabrina Pontual
Críticos teatrais: Luiz Diego Garcia
Cleyton Nóbrega
Lucas Oliveira
Gabrielle Pires
Coordenador crítico: Luiz Diego Garcia
Jornalista: Paulo Ricardo Mendes
Designer Gráfico: Allan Martins