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Ao anunciar-se como uma releitura armorial de Romeu e Julieta, o solo encenado por Aramis Trindade levanta uma expectativa. O que vemos no palco não é uma adaptação da clássica tragédia de Shakespeare. Em vez disso, o ator opta por dois momentos: um, contar a história de Romeu e Julieta reescrita por Ariano Suassuna; e no outro, encarnar o próprio autor numa conversa direta com o público, utilizando a história do casal mais famoso da dramaturgia como ponto de partida para fazer uma ode, uma evocação ao escritor paraibano — e não uma versão da peça inglesa.
A cenografia é simples, quase simbólica. Velas artificiais dispostas em círculo no chão e uma iluminação suave criam um clima de intimidade, sugerindo a atmosfera de uma roda de histórias. No entanto, essa escolha visual permanece pouco desenvolvida ao longo da apresentação e perde a chance de evoluir junto com a narrativa, enfraquecendo um pouco sua força cênica.
A trilha sonora gravada, apesar de bem sincronizada, deixa um vazio visual. Em uma proposta estética fortemente ligada ao Movimento Armorial, que une música, literatura e arte popular, o som gravado parece deslocado. Fica o desejo de ver os músicos em cena, perceber os instrumentos e sentir o corpo por trás da música. A ausência de presença musical tira potência de uma das camadas mais ricas da montagem.
Aramis Trindade transita entre narrador e personagem, além de assumir o desafio de dar corpo e voz a Ariano Suassuna em cena. O ator desenvolve isso com muita naturalidade, lançando gestos e formas de falar que Ariano cultivava em seu discurso e na sua linguagem, com ritmo envolvente e humor leve. Contudo, à medida que a performance avança, a figura de Suassuna continua plana e o enredo permanece em contar histórias e causos que Ariano contava. Sem dúvida, este é o momento mais envolvente do espetáculo, pois diverte principalmente quem nunca teve a oportunidade de participar de uma aula-espetáculo ou fazer uma leitura mais aprofundada da obra e da vida do autor armorial.
Como público, percebo que Romeu e Julieta, cordel de Ariano Suassuna diverte, levanta pontos importantes para refletir sobre a cultura popular e homenageia com honestidade uma figura clássica da cultura brasileira. Ainda assim, falta ao espetáculo o vigor necessário para unir intenção e execução de forma mais coerente — especialmente considerando a força artística de Aramis Trindade, que é grande e que nos chega com tanto afeto, já que, em seus muitos anos de profissão, vem nos (re)contando tantas histórias importantes e necessárias.
Mesmo assim, o espetáculo cumpre um papel importante: pôr em discussão um autor que pensou a arte localmente e pensar a vida a partir do que nos cerca — a tragédia e o cômico, o sertão, o povo e o teatro, o real e o imaginado, a vida.
No fim, não é Romeu nem Julieta que saem do palco. É Ariano voltando para o andar de cima.