Muribeca Underground | Crítica de Estudo N° 2

por Vendo Teatro
0 comentários

Foto: Ashlley Melo

Por Lucas Oliveira
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Maio de 2023


Recife, 09 de Maio de 2023, às 20h e alguma coisa, Teatro Santa Isabel.
Recife quer dizer: em casa.

O “Estudo Nº 2: Miró”, é um espetáculo teatral do grupo pernambucano Magiluth, o qual atua na cena há 19 anos, e é uma das referências na representação contemporânea na cidade. Neste espetáculo, Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro, a partir da técnica da metateatralidade, propõem reflexões acerca das subjetividades do conceito de pessoa e personagem e seus atravessamentos através da ideia, da subjetividade, da pessoa(!) que é Miró da Muribeca.

Da metateatralidade

O espetáculo traz ao público a metateatralidade que é marca do Magiluth, é nítido (e não é) a linha da técnica desenvolvida pelo grupo dos meninos, o “Estudo nº 2” traz fortemente consigo esta perspectiva, endossa o espetáculo a construção artística de ser e não ser teatro, indo além do significado do termo, trazendo à cena outros sentidos, outras formas, outras interpretações e possibilidades. Aos fazedores de Teatro, vale dizer que o estudo da metateatralidade na contemporaneidade ainda pode e deve ser melhor explorado, principalmente, quando ao invés de rejeitarmos tendências contemporâneas de comunicação dentro da prática teatral, possamos usá-las para fazer com que melhor comuniquem, ou melhor comunique o que o fazer teatro propõe-se.

Da ideia de estudo

A ideia do estudo e a metalinguagem possibilita, de fato, muitas reflexões, mas em alguns momentos, o estudo se sobressai de uma forma em que a teatralidade, esta força que impulsiona a cena não se reverbera, está ali, mas não em suas potencialidades que já vi muitas vezes nas obras do Magiluth. Entendo a fragmentação da linguagem e da cena (e é importante entendermos essa predisposição ao jogo da cena do magiluth), mas aponto sobre a técnica também estar em sua completa potencialidade permitindo o vigor que dá vontade de não tirar o olho da cena.

Dos recursos técnicos

Não é novo o quanto o Magiluth propõe fazer teatro contando com os meios contemporâneos de comunicação, não somente os virtuais, mas os “analógicos” que também sofrem com as marcas da atualidade; usar o teatro, por exemplo, para fazer um estudo declaradamente social é revitalizar a linguagem, é trazer novo fôlego, é dizer que o teatro está cada vez mais vivo, e não somente fazer cena, mas questionar a cena, trazer consciência, aterrar a arte.

Do percurso

O espetáculo tem um pulso muito legal até certo ponto, quando compreende a discussão metalinguística sobre a personagem, mas as subjetividades do estudo se sobressaem colocando o ritmo em alerta, que não morre, não cai, titubeia. Vale salientar que esse fenômeno também acontece pela demanda de organização da plateia em o tempo todo precisar estar estruturando uma estratégia de leitura mais próxima de si, uma vez que a metateatralidade do Magiluth, que nos provoca sentimentos tão genuínos, ganha cada vez mais espaço nos textos que pairam no cotidiano, nas redes sociais e nesse advento das Inteligências Artificiais. Cada vez mais nos percebemos leitores atuantes de uma comunidade linguística, há cada vez mais reflexões (in)voluntárias sobre como nos conectar e comunicar.

De como se Ler

É importante, ao público, dizer que lembre de ler as possibilidades da presença da atuação do Magiluth com olhos de quem quer entender como as tecnologias alimentam e dão proporções ao teatro, e como a fragmentação desses recursos e da linguagem possibilita e, de certa forma, garante cada vez mais as existências de interpretações unicamente possíveis e consistentes através desses recursos. Para me fazer mais entendível, quero dizer que neste espetáculo é importante entender o que também o possibilita: as múltiplas tecnologias contemporâneas.

Da autorreferência

O espetáculo traz um destaque ao processo autorreferencial da América Latina. Quando em cena Everaldo conta a sua própria história, me traz a vista, me faz lembrar que eu também nasci aqui no Nordeste brasileiro da América Latina e que eu sou ele também, e que ele é Miró e que consequentemente, inevitavelmente, eu sou Miró. A grandeza que essa possibilidade carrega de aproximação do leitor e da obra – da ideia, é um recurso necessário ao que podemos chamar de teatro atualmente.

Da Latinoamericanidade das novas narrativas

Pelo jeito de contar dos meninos, a terra é muito importante, e falar da pessoa de Miró sem o “ser ou não ser” não constitui subjetividade suficiente, talvez me vi tanto em Miró, porque eu também vim de Muribeca, não a dos guararapes mas vim de muitos lugares tão exatamente quanto: Recife é Muribeca, O Cabo de Santo Agostinho é Muribeca, a América Latina todinha é Muribeca. Isso está nitidamente estampado no espetáculo, e esse todo é chamativo, precisamos nos perceber povo, e nos permitir sermos protagonistas da nossa Narrativa, como foi Miró. A Latinoamericanidade na Narrativa é ele, que se permite falar e protagonizar essa pessoa, essa vida, essa ideia que vi no palco pelo trabalho do grupo Magiluth.

MIRÓ

No espetáculo, Miró é uma bela – incrível – maravilhosa ideia, para assentar a subjetividade de perceber o que é pessoa e personagem, do que sou eu e o outro, do que é poeta e poema, realidade e ficção. O estudo N° 2 coloca em evidência a coletividade de sermos tudo ao mesmo tempo, sem dicotomias ou polarizações, mas como um universo, tudo partido em um só. Eu ainda fui ao teatro esperando (gosto e desgosto em esperar o espetáculo) em somente ver Miró, a história e a poesia dele, matar a saudade das noites quentes de sábado, quando eu saia emocionado de dentro dos teatros do Recife e Miró na rua me dizia muito mais, como a vida, como cidade; mas além de Miró, o Poeta de Muribeca, O Magiluth coloca em cena todo mundo: Eu, meu esposo, Norma, Elza, as outras pessoas da plateia que a elas não foram destinadas o protagonismo nas dramaturgias da vida. Ali, Miró era bem mais que Miró, era eu mesmo e o outro, o todo; era a árvore da ideia frutificando.

No canto esquerdo, o poeta assistia tudo sorrindo com um sorriso de dever cumprido.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments