tocadiscosmiscelânea.mp3 – Crítica de Moulin Rouge

por Vendo Teatro
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Foto: Divulgação

Por Luiz Diego Garcia
Recife, Maio de 2023

What good is sitting
alone in your room?
Come hear the music play.
Life is a Cabaret, old chum,
Come to the Cabaret.

Liza Minelli – Cabaret

Moulin Rouge – Amor em Vermelho estreou nos cinemas em 2001 sob a direção fervorosa de Baz Luhrmann, que ali encerrava sua trilogia da cortina vermelha em grande estilo. O filme de drama romântico é um musical jukebox, integrando músicas populares de Nirvana, Beck, Madonna, Elton John, e David Bowie, para citar alguns. Enquanto outros musicais à época frequentemente não impressionam a crítica, nem mesmo o público, Moulin Rouge ganhou dois Oscars e foi indicado para outros seis, incluindo Melhor Filme e Melhor Atriz, dando à Nicole Kidman sua primeira indicação ao maior prêmio do cinema mainstream estadunidense. 

A história de Moulin Rouge não é de longe a mais original à vista, aqui temos repaginado “Orfeu e a Lira” – um poeta vai a Paris e tem um caso com uma cortesã de uma boate underground. Mas o que levou Moulin Rouge a se tornar um instantâneo pop hit foi a execução frenética de sua escolha narrativa; tanto que o filme é um marco na história do cinema trazendo o reavivamento de um gênero fílmico de prestígio de volta ao topo das bilheterias: o musical. Gerando um filho, também musical, para os palcos da Broadway em 2018, Moulin Rouge segue se fazendo presente no seu estilo pout pourri burlesco.

O espetáculo musical Moulin Rouge, apresentado no Teatro de Santa Isabel no último final de semana, é uma adaptação do Grupo Vida para os palcos pernambucanos e conta com direção geral de Rita Vieira, direção artística de Rodrigo Damo e direção musical de Lucas Bamonte. A produção traz consigo, a grosso modo, suas notas de clara importação do material original, temos o letreiro neon, a inspiração para os figurinos, e todo o design de produção espelha suas origens. Mas é notável que a produção, que lotou o teatro para assistir a essa história de amor que se passa em um dos cabarés mais famosos da França do início do século XX, se preocupou com a brasilidade contemporânea na sua versão/adaptação. 

A base de interpretação do espetáculo, que tende à realista/naturalista, nem sempre é a mais acertada, visto o escopo estridente que o material requer: Moulin Rouge é um exagero em si, fazê-lo doutra maneira não é burlesco. É notável a falta de intimidade com o teatro: apresentação de estreia, nervosismo nos olhos, todo coração que bate também pula pela boca; mas é também aqui virtuosístico o que o grupo consegue fazer com a voz. Apesar da ressalva de uma tentativa, nem sempre coesa ou acertada, de uma suposta busca pelo inexistente sotaque neutro.

Se parte do elenco claramente é verde nos palcos como atores/atrizes, não se pode dizer o mesmo da potência vocal de todas as pessoas que cantam, aqui a dupla Bruna Ferrari (Satine) e JP Barros (Cristian), que empresta suas onipresentes vozes para o casal protagonista, faz bonito. Domínio técnico para dançar, cantar, pular, e dar suas falas não é para qualquer um. O que afetou a imersão na história e a qualidade das performances em geral é a falta de Teatro no teatro musical proposto. Aqui destaco o trabalho de Kaciano Sena (Toulouse) e Fábio Galvão (Santigo) pela entrega ímpar e vibrante aos seus papéis e pela qualidade de nuances de interpretação, movimentação em cena, e naturalmente, tônus; que acabaram não sendo a regra ao redor do elenco. As vozes que cantam nem sempre parecem as mesmas vozes que falam. Há tonicidade e vibração fugaz quando cantadas, há, mesmo que a montagem de canções estremeça suas escolhas recorrendo a traduções pouco funcionais aqui e ali, vivacidade na cantoria durante todas as quase três horas de apresentação; o que trunca a apreciação da obra é o muito Musical e o pouco Teatro em Moulin Rouge.

Valioso ressaltar que houve adições e cenas novas que funcionam muitíssimo bem, especialmente aquelas que trouxeram elementos brasileiros para o enredo, o que foi bastante aplaudido pela plateia, e naturalmente criava um rapport emocionante com o público geral. O texto, por sua vez, foi um ponto controverso no espetáculo. Em alguns momentos, o roteiro foi didático e hiper explicativo, o que prejudicou a naturalidade da narrativa e afastou o público da trama. Por outro lado, algumas versões e adaptações funcionaram melhor do que outras, gerando momentos de monotonia e quebra do ritmo da peça.

Apesar de contar com momentos mais mornos, o espetáculo consegue com coragem explorar nuances LGBTQIAP+, o que torna o trabalho vital para os palcos: era naturalmente burlesco e coeso que o mundo queer estivesse presente. No entanto, há uma sensação de falta de cabaré, que é justamente o que se espera de uma peça com esse tema, naturalidade com os corpos, leveza e tônus dos movimentos, salvas algumas coreografias pontuais, o balé, que tem um papel importante no espetáculo, não se encontrava na mesma página. As coreografias foram muitas vezes truncadas e pouco fluidas, o que afetou a qualidade geral da apresentação. É importante ressaltar que, apesar disso, houve um esforço claro por parte do elenco em fazer o melhor possível, e que o nervosismo da estreia também foi evidente. 

O Moulin Rouge do Grupo Vida, por fim, se mostra ter fôlego, e muito fôlego, para trazer aos palcos apresentações deslumbrantes e de encher os olhos; quando terminada a performance, ver todo o elenco descompassadamente feliz e em êxtase talvez tenha sido o que lhes faltava em outros instantes. Ver o potencial do sangue vermelho e a garra posta em cena é sempre um deleite, e é sempre burlesco estar em cena.

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