Psiquê, Memórias e Xícaras | Crítica de Senhora dos Nossos Sonhos

por Vendo Teatro
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Foto: Amaury Carvalho

Recife, Janeiro de 2025

Nesse dia em específico, a cidade do Recife estava em fervo: preparativos para o carnaval, trânsito agitado, o corre-corre diário de quem vive numa cidade em ebulição de vidas, pessoas e compromissos. Fui andando até o Teatro Capiba, no SESC de Casa Amarela, para apreciar um dos espetáculos integrantes do 31º Janeiro de Grandes Espetáculos, o espetáculo documental Senhora dos Nossos Sonhos.

O trabalho foi idealizado e supervisionado por Gonzaga Leal, tendo a dramaturgia criada por Ceronha Pontes, que também atua no monólogo. A direção artística, cenário e figurino foram assinados por Marcondes Lima, com trilha sonora original de Lucas Crasto, iluminação de João Guilherme de Paula, produção coletiva. Já a preparação corporal e a direção de movimento ficaram por conta de Sílvia Góes.

O enredo, como dito anteriormente, é um espetáculo documental que nos revela particularidades e peculiaridades sobre a vida da Dra. Nise da Silveira, médica psiquiátrica que ficou mundialmente conhecida por desenvolver práticas de trabalho humanizadas nos tratamentos de doentes mentais no Brasil. Ela desenvolveu uma metodologia de tratamento e acompanhamento dos pacientes baseada na terapia ocupacional, configurando-se como uma prática transformadora e revolucionária.

Seus pacientes eram estimulados a expor suas subjetividades e lidar com elas por meio da criação de imagens, das artes plásticas, da vivência em comunidade, do tratamento humanizado e da relação com animais, como, por exemplo, gatos. A médica recebeu reconhecimento de nomes importantes, como Carl Gustav Jung, que considerava que o desenvolvimento da personalidade se constrói por meio da imaginação.

Ao adentrar no teatro semi-elizabethano, fomos recebidos por Ceronha Pontes, dando vida à Dra. Nise da Silveira, que nos contava sobre sua relação com amigos e seus maravilhosos gatos. Em determinados momentos, ela nos encarava e interagia de maneira muito delicada e leve com o público, distribuindo a alguns espectadores um pouco de café ou chá em xícaras, proporcionando-lhes a possibilidade de interação com a encenação. Isso tornou o ambiente leve e divertido. A interpretação visceral e delicada de Ceronha nos emocionou profundamente.

Pudemos vislumbrar pormenores da vida da Dra. Nise, acompanhando suas experiências de vida, dificuldades, lutas e trajetórias. Eram abordadas questões relevantes sobre sua passagem por este mundo. Ora ela estava no palco, enquanto imagens de pessoas importantes em sua vida eram projetadas, ora surgiam áudios de entrevistas e projeções de luzes em tons amarelos, vermelhos, azuis e lilases. Embarcamos no clima do espetáculo com a trilha sonora que envolvia o público, enquanto desvelava várias particularidades sobre a vida da personagem-título e seu amor pelo próximo, refletido em seus cuidados.

O tempo passou sem que percebêssemos. No palco, havia livros, uma cadeira, diversos gatos de porcelana espalhados, e desenhos de mandalas rodeando o espaço cênico. Um dos momentos mais interessantes ocorreu quando a protagonista divagava sobre suas lembranças e experiências enquanto luzes eram projetadas sobre ela. A trilha sonora e as projeções se uniram, criando um momento lindo, no qual nossa personagem girava, tal qual uma criança, em meio a suas memórias.

Que momentos primorosos! O espetáculo chegou ao fim, despedimo-nos e, até agora, ponho-me a refletir sobre o poder das experiências e o quanto é importante valorizar quem tanto fez por aqueles que precisavam de cuidado, carinho e, acima de tudo, respeito. Vida longa ao espetáculo Senhora dos Nossos Sonhos, que, de maneira cortês e respeitosa, leva às próximas gerações o legado de uma mulher brasileira incrível e importante de ser lembrada e homenageada.

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