“Político é tudo igual” ou Como despolitizar o debate | Crítica de Eleições Vorazes

por Vendo Teatro
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Foto: Divulgação

Por Ananda Neres
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Julho de 2021

“Político é tudo igual” ou Como despolitizar o debate | Crítica de Eleições Vorazes 

Por Ananda Neres

Financiado pela Lei Aldir Blanc, Eleições Vorazes estreou dia 27 de junho às 18h gratuitamente pelo Youtube e permanece disponível até o momento em que este texto foi redigido. 

O espetáculo aborda um debate televisivo entre dois candidatos à prefeitura da cidade de Cupira, Horácio Rodrigues (Gilvan Noblat) e Théo Marchiori (Paulo César Freire). Após iniciada a peleja, a mediadora (Lili Guedes) é avisada da baixa de audiência da exibição e pede autorização dos participantes para remodelar o debate. A obra do grupo Ato Faio S. A se desenvolve através de diferentes quadros deste remodelado debate televisivo.

Os candidatos representam, em teoria, dois pólos opostos da política nacional: Horácio à direita e Théo à esquerda. Para isso, são utilizados lugares-comuns em suas caracterizações: o primeiro pertence a uma família tradicional da política e do empresariado da região, defende ideais cristãos e conservadores e é criminoso em todos os âmbitos de sua vida. Por outro lado, o segundo apresenta uma confusão de símbolos que vai de Che Guevara estampado em sua camisa vermelha a colares de miçangas e bottom da Palestina, é “acadêmico”, “feministo”, maconheiro, defende o poliamor, entre outras pautas pequeno-burguesas. Sendo ele a figura mais problemática da encenação.

Théo Marchiori representa a crítica realizada à esquerda, contudo, as ações e falas da personagem são incoerentes entre si: ora fala de racismo reverso, ora bate panela, ora entende a figura política de Lula como “santo” e portanto impassível de críticas, ora incorpora em seu discurso paráfrases confusas da ex presidenta Dilma, ora fala de revolução e por aí vai. Mas afinal, a partir desse mosaico de informações, qual a crítica que o espetáculo pretende realizar? Não fica claro.

A construção destas personagens não permanece caricata apenas em sua caracterização, mas também, em seu desenvolvimento. A atuação não apresenta grandes nuances, sendo por muitas vezes repetitiva e previsível, fato que torna os candidatos pouco críveis. Não bastasse, quando parece não haver mais para onde expandir a interpretação, recaem em insinuações sexuais, igualmente insípidas.

Nesse sentido, o texto também traz poucas surpresas. Muito do que é dito são discussões ou memes que circulam na internet, com o objetivo de satirizar e criticar o cenário político atual. Contudo, se a arte busca refletir seu tempo, as referências utilizadas na construção das cenas não o fazem. Menções a programas de auditório como Xou da Xuxa, a quadros como o torta na cara, a brincadeiras como “gererê, gererê lsd” e memes antigos como o de Suzana Vieira tomando o microfone da mão de uma apresentadora iniciante, reforçam a sensação de falta de novidade durante a apresentação.

Por outro ângulo, o espetáculo acerta ao revelar que a esquerda pequeno burguesa não parece estar verdadeiramente interessada nos problemas dos trabalhadores, mas em conchavos com partidos e grupos imperialistas, sendo muito semelhante a quem diz se opor. Do mesmo modo que, recentemente vimos pessoas ditas de esquerda, como Marcelo Freixo e Flávio Dino, se filiando ao PSB, partido que apoiou o Golpe de 2016. 

Todavia, a máxima “Todo político é igual” ou “É tudo farinha do mesmo saco”, implicitamente presente no espetáculo, não é verdadeira. Esse tipo de argumento despolitiza a discussão e mostra uma percepção fatalista da realidade. Imóvel. Impassível de mudanças. Que tem como proposta não fazer nada além de sentar e assistir ao desmonte do país. Por essa lógica, os projetos políticos do PSB ou do PSDB são equivalentes aos do PT ou do PCO, por exemplo, sendo estes, inclusive, muito distintos entre si. Argumento que demonstra que pouco se entende sobre esta questão. Sendo assim, o discurso que afirma que todos os políticos são iguais e, portanto, “salve-se quem puder” – como mencionado em um momento do espetáculo – é desmobilizante e falacioso.

O bate e rebate de perguntas temáticas e provocações entre os candidatos segue durante todo os quadros do espetáculo, até o momento em que Horácio Rodrigues sai do controle e incorpora em seu discurso diversas falas do presidente golpista Jair Bolsonaro. Uma crítica clara à postura do chefe do executivo.

Por fim, retomo os primeiros dizeres do espetáculo:

Bem, o alívio cômico existe e surge timidamente na figura do Assistente de palco (Aurélio Lima), principalmente em seus momentos no fundo de cena, mas não somente. Todavia, considerando os argumentos presentes nesta crítica, percebe-se que a obra está muito distante de um “documentário”, ou, como no sentido utilizado, de um retrato da realidade. Falta sofisticar as propostas, a produção técnica da montagem fílmica e organizar as informações de modo que fique claro quais elementos se objetiva criticar.Apesar da crítica pouco aprofundada e por vezes confusa, Eleições Vorazes tem como trunfo a busca por trazer para a arte o contexto político no qual está inserida, superando a suposta “neutralidade” de outras produções contemporâneas. Afinal, não tomar partido é tomar partido. Arte e Política são, sem dúvida, indissociáveis.


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