Foto: Divulgação
Por Ananda Neres
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro de 2023
Espetáculo de abertura do 29° Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, Sozinha é um monólogo escrito e encenado pela atriz portuguesa Elsa Pinho e dirigido por João Guisande. Com apresentações no Festival, o espetáculo também integra o Circuito SESC JGE que circula no interior do estado.
No monólogo, temos em cena a presença de mulheres em três etapas da vida, unidas pelo sentimento da solidão. Conhecemos uma menina que conversa com seu diário, uma mulher de meia idade e uma senhorinha divertida, seriam elas a mesma mulher? Reconhecemos pela postura bem colocada de cada uma delas, suas vozes distintas, ora frenética e nasal com a inquietude dos infantes; ora soprada, com o ar dos desejos da mulher madura; ora embolada pelo vinho e pelo avançar da idade. A iluminação minimalista auxilia na compreensão desses momentos.
Apesar do título “Sozinha”, não parece tratar-se de solidão somente, mas de abandono. Dói perceber-se sozinha quando sua irmã mais velha começa a ter outros interesses, quando o amor da sua vida vai embora e deixa um bilhete dizendo “fui ser feliz”, envelhecer e não ter filhos para alegrar os dias.
Há diferença entre ser só e ser abandonado?
Na quebra da quarta parede, a atriz nos conta do nascimento do espetáculo em 2016. Elaborado numa escola abandonada e ali estreado, a criação do monólogo surge do desejo de apresentar histórias de mulheres da terra da atriz. O espetáculo é a costura de histórias, de mulheres múltiplas – vizinhas, tias, primas – que Elsa ouviu durante a vida, e, também, uma investigação de seus diários, que escrevia quando menina.
Ao fim do monólogo, chega-se à conclusão – e ao lugar-comum – de abraçar a solidão e ser feliz só. Descobrir em si e no mundo outras alegrias. Contudo, a sensação ao fim é morna. Ainda que o texto seja dito em português, a compreensão não se dá por completo. As músicas infantis que não conheço, não me afetam. Uma das temáticas presentes no espetáculo é a dicotomia esquecer x lembrar, como posso lembrar-me de algo que não vivi? A ausência da memória – de qualquer natureza – parece-me afetar a recepção. As cantigas, os laranjais soam-me distantes. Falta punch à questão feminina.
O que não significa que diferentes culturas e vivências não possam nos afetar. Sabe-se que o importante não é a história, mas como a contamos. Então, por que Sozinha parece tão distante? Não sei responder.
Além disso, é importante relembrar que este é um texto [como todos que há] escrito a partir de uma experiência singular e sociohistoricamente inscrito numa realidade. Portanto, o que escrevo pode não corresponder àquilo que foi, mas àquilo que compreendi. A língua, ainda que compartilhada, traz em si muitas diferenças, distintas percepções de mundo. O sotaque, o ritmo, o vocabulário e a sintaxe – estranhos a mim – colocaram-se como barreiras na compreensão e na relação com o outro.
Com um humor singelo, Sozinha alinhava memórias e suscita reflexões sobre a solidão e o abandono. Ao trazer à cena mulheres comuns, nos lembra que não podemos mudar aquilo que foi, muito menos determinarmos o que será, mas podemos, no agora, encontrar boa companhia num copo de vinho, no teatro, e, finalmente, em nós.