Farsa Comercial – Crítica de “Dê Mais Vida a Sua Morte”

por Vendo Teatro
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Foto de: Zack Kalone.

Por Luiz Diego Garcia
Recife, Novembro de 2019

Farsa Comercial

Morrer é fácil, comédia é difícil.
George Bernard Shaw

O Teatro Valdemar de Oliveira, no centro do Recife, tem sido palco de espetáculos teatrais voltados à comédia. Tendo sido residência da icônica e incólume Trupe do Barulho por mais de uma década, a casa de espetáculos já recebeu artistas de todo o mundo ao longo da sua estrada, mas tem, como dito anteriormente, se fixado em espetáculos de cunho cômico e comercial nos últimos anos. A peça “Dê Mais Vida a Sua Morte” parte de uma proposta clara e objetiva: entreter. Desta forma encontrando no Teatro Valdemar de Oliveira palco atualmente adequado para o trabalho apresentado visto o histórico recente da casa.

Formado em abril de 2019, o grupo The SE7EN traz no elenco, entre atores profissionais e amadores, um grupo de oito integrantes dispostos a explorar no teatro uma premissa mundialmente pulverizada pela Marvel Studios: um universo expandido que traz pitadas de cultura pop e alusões cinematográficas; desta forma criando para si um próprio bojo de autorreferências que pretendem perpetuar ao longo dos anos, tendo sua segunda parte já anunciada para maio de 2020, no teatro recifense, pondo no centro da continuação da trama a história de origem de uma de suas personagens.

O trabalho apresentado aborda a morte e, dentro de tal tema, a possível pluralidade de sub-temas que a mesma traz consigo. A Ceifadora não está em cena, mas envia seu assessor-chefe Delfim, vivido pelo ator, encenador e dramaturgo do trabalho J.Oliver, para cumprir a árdua tarefa de levar aqueles que não mais viverão. A partir disso o público é introduzido a um potpourri de esquetes nas quais personagens-tipo dialogam com Delfim em seus poucos minutos antes de ser levados ao ocaso.

Encenado de forma muito aproximada ao stand-up comedy com o palco contendo alguns pufes e um telão, a linha condutora da dramaturgia se ancora no trabalho de J.Oliver e seu Delfim – caracterizado de trabalhador do submundo a partir de uma maquiagem caricatural alusiva ao Dia dos Mortos mexicano – para guiar a história. Em meio a trocadilhos e jogos de palavras, bebendo de fontes do cinema e do universo Marvel, o fio que conduz a história não busca em sua premissa uma unidade, mas sim uma pluralidade estrutural para levar consigo a moral da história: aproveitem a vida.

Embebido então de doses de humor questionáveis dentro do contexto sócio-político no qual estamos imersos, Delfim vai atrás das personagens-tipo da nossa época: a blogueira de mídias sociais fútil e deseducada quando longe das câmeras, o gay afeminado (este, aqui, mostrando-se talvez a personagem mais problemática do roteiro, que aposta em situações e chavões batidos e cartunescos por muito tendo sido alvo de questionamentos dentro da perpetuação de estereótipos dos participantes da comunidade LGBTQ+), uma máquina dotada de uma inteligência artificial quase humana, um administrador apático que leva sua vida de modo automático, uma atriz delirante quanto ao seu sucesso, dentre outras personas.

A problemática estrutura apresentada no palco se intensifica ao longo do trabalho por não conter, entre as esquetes apresentadas, nenhuma proximidade ou ligação entre as histórias de tais personagens: Delfim chega, dialoga com as mesmas, e as leva depois de um breve sermão de porque merecem morrer, ou porque elas não estão, segundo o próprio texto, vivendo como deveriam. O assessor-chefe da Caetana se mostra moralista e antiquado quanto ao seu julgamento sobre a vida de tais seres, trazendo falácias comuns ao que seria, para ele, o sentido da vida.

Ao longo do roteiro truncado há, por vezes, respiros ancorados no carisma e trabalho de J. Oliver, que como mestre de cerimônias suaviza a experiência, e de Cíntia Monteiro (por sua vez entregando a que talvez seja a performance mais enxuta e agradável do espetáculo) ao viver uma vendedora de aparelhos telefônicos que por mais extrema que seja, não muito se distancia de uma vertente naturalista com a qual delibera seu texto e maneirismos. Tais atuações, contudo, não se mostram potentes o suficiente para dar ao produto final um corpo robusto.

São tempos difíceis para os sonhadores há muito tempo, fazer teatro é um ato revolucionário por si só, é louvável a resistência artística da forma milenar teatral, mas sustentando-se de forma inconstante, “Dê Mais Vida a Sua Morte” acaba por cair em armadilhas que perpetuam tipos pouco férteis ao teatro e a preciosa arte da comédia, mostrando que sua experimentação por vezes precisa de mais amarrações que piadas omissas, de mais abertura e clareza que gags visuais; de mais vida que entretenimento frívolo.

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