Foto: Divulgação
Por Ananda Neres
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Dezembro de 2020
Theatron, do grego, lugar de onde se vê. E, se eu não vejo?
Com direção de Natali Assunção, o primeiro trabalho do Laboratório de Criação Relacional, nomeado como uma experiência cênico-digital, realizou curta temporada entre os meses de novembro e dezembro de 2020.
Como muitos grupos no cenário atual, o Lab Relacional investiga plataformas online de uso cotidiano como espaço de criação artística. O suporte escolhido pelo grupo para a vivência é um grupo de Whatsapp, multiplataforma que permite o compartilhamento de arquivos diversos, mensagens instantâneas e chamadas de voz e vídeo. Após um rápido lembrete de algumas funções disponíveis para a chamada de vídeo, somos convidados a interagir com dois amigos, os atores-personagens Analice Croccia e Raphael Bernardo.
Contudo, nossas intervenções à fala desses amigos, livres a princípio, num segundo momento, assumem limites imprecisos. É dito ao espectador que pode intervir se quiser, é só ligar o microfone, mas parece não haver espaço para tal. Além disso, as poucas intervenções que aconteceram na sessão que experienciei, pareciam gerar ruído na comunicação. Uma leve suspensão no texto para que fosse retomado em seguida. Quando explicitados os momentos de intervenção, de convite à “audiência” para que participasse, essa fala sim era incorporada de maneira significativa.
A partir do diálogo e de alguns elementos-gatilhos (escritos, fotos, desenhos…), vamos conhecendo essas pessoas e algumas de suas lembranças-aprendizados. Na tensão entre o factual e o ficcional, Se eu não vejo provoca um resgate de memórias e afetos. Quem éramos e quem estamos sendo? Que memórias conservo comigo e revisito? Num famoso ensaio, “O direito à literatura”, o sociólogo e crítico literário Antonio Candido defende que a fabulação é uma necessidade humana, seja através de sonhos, anedotas, novelas ou outros meios, do analfabeto ao erudito, todos precisam de uma dose diária de poesia e de ficção. A partir da sensibilidade do texto cênico-digital e das palavras de Candido, me pego pensando “seriam as memórias também espaços de fabulação?”. É a partir delas que com o olhar de hoje recorremos ao já vivido e o ressignificamos, que vemos sentido onde originalmente não havia. Portanto, inventamos. Fabulamos.
Nesse momento em que escrevo este texto, o quanto há de verídico e o quanto há de ficcionalização em minha lembrança? Há como segurar uma memória para que não se esvaia? Podemos despi-la dos atravessamentos que nos causaram? Esse texto é uma tentativa de registro. Uma lembrança que poderemos revisitar daqui a um tempo. No presente, escrevo aquilo que acredito que foi, mas pode não ter sido.
Num momento em que as experiências estão aparentemente negadas, o Lab Relacional amplia as possibilidades de vivê-las. Afinal, seu eu não vejo, eu escuto, eu sinto… Válida então é a experiência; a memória que dela fica.