Foto: Divulgação
Recife, Agosto de 2024
Foi em uma noite de sábado, em mais um final de semana cálido e rotineiro na cidade do Recife, que assisti ao espetáculo O Estrangeiro Reloaded, uma adaptação da obra do escritor argelino Albert Camus (1913-1960). O trabalho marca a parceria entre Vera Holtz e Guilherme Leme Garcia. A encenação é estrelada por Leme e dirigida por Holtz. A montagem já recebeu diversas indicações a prêmios, é considerada um sucesso de público e esteve em turnê por várias capitais do Brasil.
Ao chegar ao Teatro do Parque, no centro do Recife, deparei-me com a casa cheia; havia inúmeras pessoas na plateia, ansiosas para que o espetáculo começasse. Após uma curta espera, o espetáculo teve início, e, a partir daquele momento, pela interpretação sucinta e cirúrgica de Leme, fomos conduzidos, como público, pela trajetória de vida de Meursault. Holtz e Leme se reencontram através desse espetáculo, que, quase dez anos após a primeira versão de O Estrangeiro, ganha uma nova adaptação intitulada O Estrangeiro Reloaded. Vale ressaltar que o trabalho passou por um hiato de anos, e que, no momento atual, pós-pandêmico, tanto Holtz quanto Leme decidiram retomar o projeto, atualizando-o às novas dinâmicas de suas vidas e do mundo, conferindo à encenação elementos diferentes dos que pairavam sobre a obra no passado.
Esta nova adaptação tem a assinatura de Morten Kirkskov, com tradução de Liane Lazoski, e se debruça sobre o personagem central, Meursault, em um vórtice de acontecimentos que o colocam em xeque no que diz respeito ao controle sobre sua própria vida. Esses eventos acabam levando-o a vislumbrar diversos e inesperados caminhos.
Meursault, nosso protagonista em O Estrangeiro Reloaded, leva uma vida comum; recebe a notícia da morte de sua mãe e, posteriormente, comete um crime, sendo preso e julgado. Ele é inquirido por suas decisões, navegando entre os limites do que é certo ou errado. Perante a lei, Meursault reflete sobre seu lugar no mundo, sobre o poder de suas decisões e as consequências de seus atos, sendo arrastado pelas tempestades que ele mesmo criou, talvez inebriado pelo torpor da perda de sua mãe ou por outros motivos. Suas problemáticas, como personagem central da obra, podem ser semelhantes às de qualquer pessoa comum, refletindo a profundidade da obra de Albert Camus.
Até que ponto podemos ser afetados por nossas dores? Será que entender intimamente a dor do outro legitima sua defesa quando ele é acusado de um crime tão terrível quanto o assassinato? Que devaneios podem levar uma pessoa a tomar uma atitude tão extrema em relação à vida do próximo? Existe algo que justifique um assassinato? Meursault é o algoz de seus próprios atos? Ou não? A quem realmente serve a justiça? Sentir-se estrangeiro de si mesmo ou da vida é um pensamento partilhado por todos nós, que compomos a humanidade?
Essas e tantas outras questões vieram-me à mente enquanto acompanhava o desenrolar do espetáculo. O trabalho estimula nossos pensamentos, levando-nos a refletir sobre o torpor dos problemas da vida e o impacto de nossas decisões ao longo da nossa trajetória. Ele nos faz pensar sobre nossa saúde mental em meio a um mundo tão cheio de problemas e mazelas, sejam elas sociais, políticas, ou de outra natureza. Em suma, o espetáculo é extremamente sensível, afinado e delicado, e espero que muitas outras pessoas tenham a oportunidade de assisti-lo. Vida longa a O Estrangeiro Reloaded; que continue a nos encantar pela trajetória da vida. Evoé.
Vendo Teatro – Incentivo Funcultura 2022/2023
Proponente, coordenadora e criadora de conteúdo: Aline Lima
Produção Executiva: Sabrina Pontual
Críticos teatrais: Luiz Diego Garcia
Cleyton Nóbrega
Lucas Oliveira
Gabrielle Pires
Coordenador crítico: Luiz Diego Garcia
Jornalista: Paulo Ricardo Mendes
Designer Gráfico: Allan Martins