Congresso Nacional do Medo | Crítica sobre “Congresso do Kaos”

por Vendo Teatro
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Por Luiz Diego Garcia
Recife, Julho de 2019.
Foto de Amanda Duarte.

CONGRESSO NACIONAL DO MEDO

O que há de óbvio no teatro, há na vida; são indissociáveis.

Três atores em cena. Um teatro Hermilo Borba Filho à moda italiana. Uma fotógrafa com uma claquete dá início ao espetáculo. Três amigos, vividos pelos atores Rodrigo Hermínio, Rafael Victor e Ingrid Laisa, assistem a um filme de terror. Daí em diante o medo, como fio condutor da dramaturgia, surge num funil reverso: do micro ao macro. Desde o momento da claquete os espectadores são apresentados a uma diversidade de pequenas cenas que são costuradas das ramificações do tema maior, o medo, passando por violência, política, igreja e televisão; tendo o elenco então a oportunidade de assumir diversas personas, das mais neutras às mais estridentes, para falar dessa ansiedade político-social que inunda o país.

Em Congresso do Kaos, espetáculo do grupo Teatro do Amanhã, há medo por todo lado; nesse adorno tematicamente claustrofóbico se encontra a vontade de falar, talvez mais do que o conteúdo para tal. O texto escrito de um pot-pourri de referências é assinado pelo também ator Rodrigo Hermínio e traz desde poemas como “No Caminho Com Maiakovski” de Eduardo Alves Da Costa e “Congresso Internacional do Medo” de Carlos Drummond de Andrade – este servindo de ponto de partida para a encenação –, até mesmo o clássico trecho shakespeariano em que o príncipe da Dinamarca questiona sua angústia em vida ou incerta morte com “ser ou não ser?”. Há, nessa pluralidade de referências, riqueza de material; muita potencialidade é vista através das obras referenciadas, mas faltam-lhe amalgama.

A encenação conduzida por Rodrigo Hermínio e Stéphanie Bugarin (assistente de direção) trilha por uma mise-en-scène que se apresenta pouco colaborativa para com os objetivos do espetáculo: com caráter panfletário, Congresso do Kaos, não causa medo ao falar do mesmo, visto que aponta a existência dele num seminário frontal de referências e canções que emulam uma necessidade mais de falar do que de se fazer ouvir. As fragilidades da escolha quase Brechtiana de uma poética proposta como guia de interpretação não proporciona ao público uma experiência genuína de inquietude política; há demasiado nervosismo, pouca diversidade de nuances interpretativas e uma disponibilidade de atuação que se escora na comédia quando se percebe falha.

O mais poderoso em um produto artístico é sua capacidade de remodelar o real em detrimento do lógico para que, desta forma, ao sublimar a realidade, tenha alcance ressignificador. Congresso do Kaos, por sua vez, ousa estar em cena num momento político-social tão frágil quanto o que é vivido, e põe o peito na linha de frente para desmascarar mitos e revelar incoerências, fazendo um serviço de conscientização sobre saúde mental e política de um povo que se sente adoecido, mas essa ousadia temática não parece vir acompanhada de uma execução à altura; conta-se demais, mostra-se de menos.

O que há de óbvio no teatro, há na vida; são indissociáveis, mas não óbvios.

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