Circo, Teatro e Relações Etnico-raciais | Crítica de Prot{agô}nistas – O Movimento Negro no Picadeiro

por Vendo Teatro
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Foto: Cassandra Mello

Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Junho de 2023

O que nos coloca como protagonistas de nossa própria história? Será que todos se percebem como personagens principais de sua própria vida? E quando essa apropriação do ser é fruto da vivência de corpos pretos? Enquanto afrodescendente e pensante, me questiono sobre as diferentes realidades do povo preto, nordestino ou não, para construção da identidade afro-brasileira. Reflito sobre os modos da sociedade brasileira racista, judaico-cristã, preconceituosa, fundar seus preceitos institucionais e consolidar práticas de violência sistémica ligada ao fenótipo e a uma herança escravista do povo preto. Será que as situações de experiência de vida de corpos pretos e não-pretos é demarcada da mesma maneira em nossa sociedade? E eu? Como me percebo?  Por acaso sou protagonista de mim mesmo e das minhas relações entre a sociedade e tudo o que dela vem e me atravessa? Foram questões como essa, dentre tantas outras que fiquei refletindo enquanto assistia ao espetáculo “Prot{agô}nistas – O Movimento Negro no Picadeiro”.

O espetáculo circense teve uma rápida passagem pelo Teatro do  Parque, nos dias 02, 03 e 04 de junho. Partindo de uma proposta reflexiva quanto às vivências múltiplas da negritude, por intermédio de narrativa afro-referenciada, o espetáculo potencializa de maneira muito afetiva, interessante e divertida, música, dança, teatro e circo. Contando com números hipnotizantes e vigorosos com técnicas que chamavam a atenção e uma iluminação bonita, precisa, com tons de cor e projeções assertivas, vibrantes, criando uma atmosfera de alegria, força e vitalidade. Em alguns momentos me sentia de fato num circo.

Contando com números de trapézio, tecido, perna de pau, contorcionismo, malabarismo, palhaçaria, músicos e cantores versáteis, que ora cantavam, ora atuavam ou até tocavam instrumentos durante a apresentação, o que  ajudou a deixar o público emocionado e compenetrado em tudo que estava sendo proporcionado no palco. Lembro que diversas vezes me percebia de boca aberta, impressionado com o que estava acontecendo em cena, tudo era sintonizado, afinado e trazendo uma estética de escolha de adereços cênicos e de figurino bem definidos, com estampas em xadrez, flores, estampas de bichos, um estilo de escolha de figurino numa estética que lembra o afrofuturismo, composto por cores vivas, fortes e chamativas, que em momentos oportunos, misturavam-se as luzes que eram projetadas nos atores, cantores no decorrer da apresentação.

Em diversos momentos como, por exemplo, o que as atrizes e cantoras se uniam a cantar e performar no palco, enaltecendo a pretitude e a força feminina, éramos estimulados a refletir sobre problemas e situações de enfrentamento a inúmeras dinâmicas de vida que colocam em xeque a maneira contraditória com que os afrodescendentes são tratados por parte do Estado em nossa sociedade. Vale pontuar que as canções autorais que ocorriam durante a apresentação do espetáculo dirigido por Ricardo Rodrigues, trazem de forma clara que o orgulho em ser preto, de ser afrodescendente, e a força em lutar por equidade e por um mundo antirracista, são uma luta partilhada, e que o espetáculo e o coletivo que o forma, refletem e pensam de maneira a fortalecer o coletivo dialogando com o preceito do aquilombamento e o fortalecimento dos afrodescendentes dinamisado em diversas esferas e possibilidades. 

Foi muito bonito ver tantos pretos talentosos e politizados em cena, o espetáculo do coletivo é vibrante e se expressa, dá voz a problemas pormenorizados na nossa sociedade, escancara o racismo estrutural do Brasil que se delimita em toda e qualquer capital da nação, infelizmente, e coloca os pretos em papel de protagonizar a arte circense por meio do teatro, Teatro e política em sintonia, falando sobre vida e suas nuances. A técnica do elenco é de tirar o fôlego, é um salutar  que um espetáculo tão expressivo e necessário tenha vindo para a capital recifense, foi impactante perceber-me emocionado e rir e chorar, foi teatro em latência, força, cheiros e cores. Agô!

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