Brinquedo de Cura | Crítica de “Opá, Uma Missão”

por Vendo Teatro
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Por Luiz Diego Garcia
Recife, Agosto de 2019
Foto: Amanda Môa

Brinquedo de Cura

“Opá, Uma Missão” é acolhedor: um semicírculo de cadeiras e longos bancos; algumas almofadas no chão – assentos carinhosos, diga-se de passagem, e afavelmente recomendados – e pronto, o espaço abraça. De costas para o público, as diretrizes de tirar os sapatos, de relaxar, de sentir os pés no chão, na Terra, são dadas enquanto a atriz está alongando alguns últimos músculos.

Palhaça. Vira-se então. E Zanoia está. Sempre esteve.

A palhaça de Lívia Falcão, atriz e mente criativa idealizadora da obra, é engraçada e terna. A performance é como um todo sobre blandície e graça, mas também circunscreve pelo espaço vigor, precisão e um elementar domínio técnico da cena. Aqui, trazendo o público para dentro da sua Opá, Lívia costura uma tapeçaria dramatúrgica guiada pela rica e poderosa cosmogonia ancestral. As engrenagens, reveladas na cenografia reconfortante de Nara Menezes, trazem ao coser da obra um aconchego muito próprio daquele que se experimenta dentro de uma rede, perto do mar, com o coração cheio e a água de coco por findar. E é nesse aconchego que Lívia aterrissa, e volta a voar em seguida, para tratar de seus temas mais multifários: a morte ou a pluralidade dela, a ancestralidade, o feminino, a luta e o carinho nutritivo da humanidade provinda de raízes. O rapport de Lívia Falcão é magnetizante. Conduzindo o público com uma inteireza física que vai do arroto à limpeza com água de manjericão, do assoalho pélvico a manipulação de bonecos, a atriz fulgura. E na conexão com o público estabelece aquele que talvez seja o mais basto presente do trabalho: a presença em uníssono.

A dramaturgia e encenação construídas colaborativamente por Sílvia Góes e Andrea Macera dá a “Opá” seu lar. São textos de trabalhos anteriores de Lívia que mesclam desde ‘Caetana’ de Moncho Rodriguez e Weydson Barros Leal e ‘Esse Estranho Desejo’ de João Falcão, a ‘Divinas’ de Marcelo Pelizzoli, Samarone Lima e Silvia Góes. Culmina então numa reunião afetiva, preciosa e assertiva da arte cênica em forma entregue, oferecendo humildemente e de bom grado tudo que tem em posse. O entrelace dos elementos acontece oportuno para dar à cena corpo e completude. Trabalho artesão talhado em particularidades que se esbalda com o acaso de cada nova efemeridade.

“Aqui estou, aqui me dou, aqui me entrego, aqui recebo o que me traga a estrada […] pela minha cura, pela cura da outra, pela cura da gente, pela cura do mundo.” reza em dado momento Zanoia, e tal prece faz de “Opá, Uma Missão” um espetáculo-brinquedo delicadíssimo e precioso na sua entrega diligente do mais puro afago curativo.

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