As Sinas da Humanidade | Crítica do espetáculo A Paixão de Brutus

por Vendo Teatro
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Foto: Davidson Rocha

Por Matheus Campos
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro de 2021

A história não anda só para frente
— Alguma pessoa lúcida

E, seguindo tal ideia da citação, surge “A Paixão de Brutus” que é um teatro-canção, o unipessoal de Pedro Sá Moraes, sob a direção de Norberto Presta. A teatralidade compõe a grade de espetáculos teatrais adultos na 27ª edição do JGE (Janeiro de Grandes Espetáculos) e está inserido dentro de um dos formatos que a pandemia trouxe para a arte nos palcos, ou seja: é uma peça gravada e transmitida pelo Youtube, de forma que demonstra a preocupação para o bem estar e segurança de artista e público. 

Com isso, sob o formato um pouco distanciador, presente nas telas de cristal líquido, desenrola-se “A Paixão de Brutus” a qual passeia por uma nova perspectiva da tragédia shakespeariana “Júlio César” ou “ A Tragédia de Júlio César” — intitulada originalmente como The Tragedie of Julius Caesar — que data de aproximadamente 1599. A peça preza pela simplicidade, pois através de um espaço mínimo, um cenário mínimo e um figurino simples, sem muitos “pra-que-isso” — mas que remete levemente a uma roupa de couro espartana —, o artista Pedro Sá consegue exercer os papéis de ator, narrador, trovador, músico moderno e personagens, de forma que toda tragédia, sob essa forma de dramatização, está muito pautada nas quebras Brechtianas que o ator realiza durante o espetáculo.  

“Se um homem tem todo poder, todo o resto é cativo”
— Pedro Sá Moraes

O espetáculo, dessa forma, por meio de narrações, diálogos e canções originais de Pedro Sá — inspiradas pelas narrativas e diálogos da tragédia original e que exploram ritmos medievos e atuais como o samba —  conta a história do estado caótico de Roma, a breve ascensão violenta de Júlio César e a sua queda através de um golpe de Estado, maquinado por membros do próprio senado e amparada na ideia de que o golpe de Estado ocorreu pelo bem da nação/bem do império de Roma, de forma que surge uma emblemática frase “Amo mais à nação do que a Júlio César”. Além disso, a narrativa de Shakespeare muda alguns aspectos da história original de Júlio César — que era considerado um ditador em seu tempo — e traz consigo o elemento da perversão de aliados de Júlio César e a traição de Brutus para com César.

 Por fim, a história mostra um império dividido entre dois lados, um que apoiava a figura martirizada e falecida de César e o outro que apoiava os conspiradores que alegavam ter cometido o crime sob o ideal messiânico de ser o melhor para a nação. Entretanto, com a nação dividida, no último ato, ocorre uma guerra civil nas ruas de Roma, tendo por fim um lado vencedor, mas só depois de muita destruição e várias mortes de inocentes e culpados de ambos os lados. 

Além disso, por meio da personalidade do artista que transpassa a teatralidade, é possível trazer a peça — que é de mais ou menos de 1599 e remonta uma história que ocorreu no século 44 A.C —, para a atualidade e compreender como a história, de fato, não segue só para frente. Assim, é possível perceber a atemporalidade da obra, o quão importante e necessária é a arte e em como a sociedade, de forma geral, cai nos mesmos retrocessos caóticos. 

Mas, além da atemporalidade do espetáculo, reforçada pelo toque musical pós-moderno de Pedro Sá, o ator, já no final do unipessoal, realiza uma quebra brechtiana e dispõe de um momento de diálogo com o público, de forma que faz um breve resumo do resto da história e um corte temporal na narrativa para ressaltar um evento no terceiro ato que se passa, muitas vezes, despercebido: o brutal e injustificado assassinato de um artista, cometido pela multidão revoltada e em estado de caos, depois do golpe. O assassinato do poeta e trovador ocorre pelo simples fato dele possuir o mesmo nome que um dos conspiradores revolucionários, Cina.

Embriagados pelo ódio e ignorância gerada pelo ódio, a multidão mata o poeta  — por mais que Cina, o artista, dissesse que não era ele o inimigo do povo e gritasse desesperadamente por sua vida inocente —, pois o confundiram com Cina, o político. Assim, reforçando mais ainda a atemporalidade da arte e a ciclicidade vã da sociedade, que de tempos em tempos mergulha em ódio e ignorância; cercada de messias e de ditadores; dividida entre polos; bombardeada por conspirações; e transformada em júri, juiz e carrasco de inocentes, como o artista em “A Tragédia de Júlio César”. 

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