A (Re)invenção da Palavra e arte de se reinventar | Crítica do espetáculo virtual A (Re)invenção da Palavra

por Vendo Teatro
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Foto: Dea Ferraz

Por Paulo Ricardo Mendes
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Outubro de 2020

 “Seja o que for que você pense, creio que é melhor dizê-lo com boas palavras.”
William Shakespeare

Reinventar. Essa palavra acredito que tenha feito parte da vida de muitas pessoas nesses últimos meses, em algumas não por livre e espontânea vontade, mas sim, por que foi preciso. Até porque foi e está sendo necessário mudar alguns hábitos, criar possibilidades, enveredar por novos caminhos e se adaptar ao novo normal. Não foi diferente com a arte, não foi diferente com o teatro, no qual desde uma série de lives até o chamado teatro on-line, as pessoas têm se reunido através das salas virtuais, e os espetáculos precisaram se ajustar criando alternativas para levar seu trabalho até o (tele)espectador. 

Aproveitando esse período de fim de ano, no qual geralmente fazemos a retrospectiva de algumas coisas, gostaria de mencionar um espetáculo que assisti remotamente intitulado a (Re) invenção da Palavra, cuja experimentação artística e estética me fez constatar sobre essas novas possibilidades do teatro e da arte diante do isolamento social.

Com 6 anos de peça e de algumas temporadas realizadas, imagino que o Grupo de Teatro Gambiarra jamais havia pensado na possibilidade de realizar uma montagem ao vivo, com as pessoas assistindo exclusivamente pela tela de um computador. Mas, afinal, quem imaginaria? Entretanto, diante do contexto atual, esse tipo de apresentação virou comum entre alguns grupos e no caso da peça (Re) invenção da Palavra o (tele)espectador pôde assisti-la numa sala virtual do zoom. 

Logo, quando deu a hora do início da peça, as câmeras e áudios dos usuários já estavam mutados, os atores Olga Ferrario e Cláudio Ferrario surgiram em cena. Eles encontravam-se numa espécie de casa abandonada, com aspecto de ruína, onde posteriormente fiquei sabendo que fora realizado em Gravatá – PE. Ao passo que encenavam, a câmera acompanhava cada gesto dos atores, como se fosse o fio condutor daquela narrativa e os próprios personagens interagiam com o equipamento, falando diretamente para a tela, como se estivesse dirigindo as palavras para o público. 

É certo que se apropriar da tecnologia para dar vida a um enredo é sempre um desafio constante, no cinema existe uma equipe capacitada por trás das lentes para ajudar a narrar aquela história, no teatro isso não era uma tarefa tão comum, logo devido à falta de costume e de técnica, alguns trabalhos acabam perdendo o brilho e grandiosidade, pois falta essa preparação no manejo dos equipamentos. 

Entretanto, no caso da (Re)invenção da Palavra, por trás daquela câmera-personagem, existia a diretora e roteirista Dea Ferraz, que detém de uma vasta experiência com documentários e produções cinematográficas, como Câmera de Espelhos e Sete Corações, que se junta ao grupo assumindo um papel crucial na missão de levar aquela narrativa de forma primorosa até o (tele)espectador. O resultado é um teatro filmado com qualidade técnica, que nos permite comparar com a de cinema, e de uma sensibilidade e precisão nos movimentos em cena. 

Na luz, som, streaming e na toda “gambiarra” necessária para realizar a montagem num espaço inusitado, tem a figura de Hugo Coutinho, que também entrega um trabalho bem sucedido, dado que, ele orquestra toda a sonoplastia e todos os elementos cênicos, dando um efeito especial para a história. Em cena, a interpretação de pai e filha Ferrario é instigante e bonita de ver, ambos compenetrados em todo momento da peça. Existe uma entrega absoluta.

Entretanto, o texto, escrito por Cláudio, é denso e cheio de nuances, entre poesias e uma linguagem rebuscada; aspectos que dialogam com a do diretor espanhol Moncho Rodriguez, que apresenta em seus trabalhos também essas características. Vale até frisar que o grupo Gambiarra realizou um intercâmbio artístico com o próprio Moncho para a elaboração dessa montagem. Decerto essa forma de escrita tende em determinados momentos a provocar uma certa dispersão e incômodo em alguns (tele)espectadores, visto o tamanho do texto e o excesso de rebuscamento, mas isso não tirou a potência do espetáculo. 

Ao longo da narrativa os personagens vagueiam sobre algumas questões relativas e pertinentes à humanidade e ao ser humano, como por exemplo, o medo, até refletiram sobre a invenção da palavra. No entanto, aproveitando o gancho dessa reflexão, talvez mais interessante que entender quem inventou a palavra, quiça seja relevante pensar, o que fazer com ela e como utilizá-la (?). 

E foi isso que o grupo Teatro de Gambiarra fizera. De um modo geral, nessa peça, as palavras contaram uma história através da atuação dos atores; elas ganharam vida e força, por meio dos efeitos cênicos, onde mesmo à distância (literalmente), graças a uma câmera e uma equipe disposta por trás, foi capaz de tocar e emocionar com a beleza da arte. 

O espetáculo anteriormente chamado de A invenção da Palavra passou a ter o acréscimo do “(Re)” precedendo “Invenção”, e de fato, essa mudança não foi à toa. Até porque dessa vez, a história foi recontada em um contexto diferente, os atores se reinventaram em cena, reinventaram o cenário, reinventaram a experiência do teatro filmado, reinventaram a dinâmica do fazer teatral. Reafirmaram a importância de resistir e ressignificar a arte em meio a um cenário pandêmico e de intempéries. 

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