Conjunções alternativas | Crítica sobre “Carne ou Vodka”

por Vendo Teatro
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Por Lucas Bebiano.
Foto: Rogério Alves.
Maio de 2019.

Conjunções Alternativas

Logo na chegada do teatro, de frente à bilheteria fazia-se presente uma bandeja com tira-gostos, carne ou vodka para o povo público. É dessa forma que o espetáculo colaborativo atuado por Daniel Barros, Hermínia Mendes e Eric Valença começa a incendiar o teatro Hermilo Borba Filho em sua estreia. Digo o público de fato tinha à sua disposição essas duas opções de aperitivos como forma de “esquenta” antes da peça, aperitivos muito pertinentes para o que estava por vir.

Logo ao retirar os ingressos, o público já tinha outra alternativa em suas mãos, era possível assistir à peça acompanhando a ação pelo palco ou pelo celular graças a um grupo de WhatsApp criado na hora com o contato de todos que decidiram acompanhar a experiência virtualmente. Nesse grupo era disponibilizado um link com a transmissão ao vivo da cena. Eu diria que a ideia é tão Black Mirror mas essa ideia na verdade é mais um dos signos que compõe a encenação e reforça a noção de espetacularização da violência decorrente a sua banalização.

A transmissão ao vivo da cena ocorre durante o processo de encenação da própria peça. Rogério Alves assina a excelência fotográfica e os close-ups dos atores ao fornecer para o público do grupão do zap imagens intrínsecas, retinas vivas e detalhadas gritando nos celulares da plateia esses pequenos detalhes fundamentais passam despercebidos ao público quando se olha a cena como um todo mas não aos olhos da câmera. Sem querer universalizar opiniões ou ações, mas já universalizando, a maioria do público da sessão optou por não usar o recurso da transmissão e é importante que isso seja apontado aqui, afinal o que é mais interessante acompanhar a violência pela tela ou vê-la pulsando viva em sua frente e queimando que nem carne ou vodka? Touché! Se eu fosse amigo íntimo da encenação desse espetáculo eu diria que ela ficou satisfeita.

A encenação está composta por pequenos segmentos de cena que vão se repetindo durante o espetáculo criando uma continuidade e uma conversa entre si. Ao tratar da violência como um todo, é perceptível três motes principais como a violência contra a mulher, a violência contra o idoso e o abuso sexual infantil. Três temas ou três vivências expostas em cena.

A condução desta exposição temática está a cargo dos atores e da iluminação, atores que exploram toda a potencialidade da dramaturgia do corpo preenchendo os silêncios com as respirações, os sons do corpo, a prontidão e sob muita luz de Luciana Raposo. Essa luz que queima e pulsa no espetáculo, é a luz no rosto do atores, luz no corpo dos atores, luz no rosto da plateia (graças a manipulação de três luminárias suspensas na cena). Tudo isso encontra-se muito explícito criando uma iluminação congruente à encenação e fundamental para o desenvolvimento do conceito supracitado de espetacularização proposta pelo espetáculo.

Um cronômetro ficou exposto durante toda a peça, de forma que a ideia de fim nunca foi novidade. A finalização do espetáculo é dada sem a perspectiva de um final, afinal a violência tem fim? Os atores saem de cena e a parede do teatro se preenche com a projeção do trio seguindo pelas ruas do Cais do Apolo levando toda sua narrativa para a matriz, conseguindo deixar o discurso do espetáculo ainda mais atual. A violência e balbúrdia se limita aos espaços de educação e arte como dizem? O espaço que a encenação ocupa ao se apresentar é o de um posicionamento claro onde o ator Eric Valença relata nos agradecimentos “Quando a cultura e a educação não é presente a violência vira espetáculo”.

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