Nem só de palavras se constrói uma história | Crítica “A batalha da Vírgula contra o Ponto Final”

por Vendo Teatro
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Foto de Yuri Vilarim.

Por Ananda Neres.

Janeiro de 2020.

Nem só de palavras se constrói uma história

Fim de tarde no Recife, crianças e adultos aguardam ansiosamente pelo espetáculo “A batalha da vírgula contra o ponto final”, do Omoiós Companhia Teatral, com direção assinada por Manoel Constantino, no histórico Teatro de Santa Isabel, durante a programação do 26° Janeiro de Grandes Espetáculos.

A adaptação do texto de Tarcísio Pereira conta a história de Rubinha, uma menina que não sabe como terminar sua redação escolar e está com muita fome. A trama se desenrola a partir da aparição dos sinais de pontuação, cada um buscando convencer, à sua maneira, a protagonista de utilizá-los na sua produção, em defesa de um ideal. A batalha, como sugere o título, acontece mais fortemente entre a Vírgula e o Ponto Final. A primeira busca a utopia de histórias sem um fim absoluto e o Ponto defende que é importante encerrar as histórias. Outras pontuações também aparecem e tomam partido na disputa.

Na encenação, os atores do grupo Omoiós tomaram a palavra como elemento de maior importância. Poucos recursos, sejam cenográficos ou de outra natureza, são utilizados além do verbo. Quanto ao desenvolvimento do texto, dá-se numa linearidade expressiva. Não há surpresas quanto à partitura vocal ou corporal dos atores no decorrer da apresentação. O texto parece não chegar ao corpo, permanecendo no âmbito vocal. Sendo, portanto, uma disputa essencialmente oral, a batalha, por vezes, parecia atender aos anseios da Vírgula, não tinha fim.

É importante assinalar, que o Ponto Final (Leo Bouças) e a Dona Interrogação (Daniela Câmara) destacam-se em cena e entregam atuações interessantes. Ambos trazem consigo, além da palavra pura e simples, expressões faciais significativas, grandes, como também, utilizam menos movimentações supérfluas. São eles os responsáveis pela parca comicidade da peça.

Enquanto espectadora, algumas escolhas do grupo me incomodaram. Em algumas cenas, acontecia de haver um destaque para Rubinha e alguma das pontuações, nesses momentos, os outros atores em cena ficavam em segundo plano continuando a ação de seus personagens. Porém, as ações, por vezes, eram muito grandes e chamavam muito a atenção da audiência, competindo com a cena em destaque. O resultado desses acontecimentos simultâneos era confuso. Além disso, também me saltou aos olhos a maneira com que os atores usaram o espaço. O palco do Santa Isabel parecia oferecer mais espaço do que o grupo de fato precisava. De modo que, a movimentação mostrava-se imprecisa e solta.

Também destaco aqui o comportamento da plateia no desenvolver da encenação. Sendo um espetáculo infanto-juvenil, surpreendeu-me a pouca interação das crianças da plateia com a história, poucas risadas e interrogações. Durante os 60 min de sessão, o silêncio predominou sobre a audiência.

Em contrapartida, os figurinos das pontuações são um deleite para os olhos. Construídos em preto e branco, indicam que aqueles personagens são de um mundo diferente daquele colorido da protagonista. Cada uma das vestes traz em si a identidade de seu sinal ortográfico, cumprindo a proposta didática e lúdica do espetáculo. A beleza reside na fuga à obviedade de sua construção, funcionando bem em cena.

O texto, na mesma direção, encanta. Mesmo possuindo o viés didático, não se resume à imposição de regras de uso das pontuações. Estas [as pontuações] são compreendidas por suas funções e implicações de sentido, cerne de suas personalidades. Entendemos que cada uma tem uma razão de ser, e, se trabalhadas em harmonia, permitem à escrita/história grande expressividade, tal como acontece no poético desenlace do enredo de sua própria narrativa.

Ao chegar ao final do espetáculo, fiquei surpresa. Não o esperava. A sensação que tive é que nada tinha acontecido ainda. O nó da trama a ser resolvido não tem um ápice e, apesar de belo, o desfecho se dá na mesma intensidade que o restante do texto. De maneira que, se as pontuações não avisassem às crianças que era a hora de bater palmas, eu não saberia que se tratava do fim.

A Batalha da Vírgula contra o Ponto Final é marcada por muitos travessões e parênteses que pouco fazem exclamar.

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