O verde canavial, o Cavalo Marinho e os fluxos do viver | Crítica de “Sina”

por Vendo Teatro
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Foto: O Poste

Foto: O Poste

Por Cleyton Nóbrega
Recife, Novembro 2019

O verde canavial, o Cavalo Marinho e os fluxos do viver

Da língua cortada,
digo tudo,
amasso o silencio
e no farfalhar do meio som
solto o grito do grito do grito
e encontro a fala anterior”…
– Conceição Evaristo

Foi no espaço do grupo O Poste, na Rua da Aurora que ocorreu entre os dias 20 e 24 de Novembro mais uma edição do Festival Luz Negra – O negro em estado de representação. O evento incentiva ações que valoram os processos de criação, encenação e representação do negro no fomento das artes da cena na cultura pernambucana. O espetáculo Sina, com texto de Andala Quituche, foi premiado no Ariano Suassuna de Dramaturgia; relata-nos sobre a vivência das pessoas da Zona da Mata Norte de Pernambuco e utiliza-se de elementos que fazem parte da cultura popular nesse caso da tradição do Cavalo Marinho. Personagens como Bastião, Matheus e Catirina vêm à cena e levantam problemáticas trágicas e muito reais e viscerais sobre as diversas realidades, e vivências da vida do povo do agreste.

Ao fundo encontramos os arcos do Cavalo Marinho bem verdes, em determinadas cenas, parecia que estávamos de fato num canavial, uma referência que lembrou muito os espetáculos de Teatro de Cortina, os personagens sempre surgiam com novos elementos frente ao público, era sempre uma surpresa, uma novidade completamente inesperada. A interpretação dos atores, as danças, os fatos que se mostravam a todos nós,  foram se desenrolando no decorrer da encenação, questões relacionadas a violência humana e de problemáticas tidas como tabu na nossa sociedade são trazidas à cena, podemos vivenciar um pouco das dinâmicas de vida das pessoas do agreste do quanto os processos de violência por Parte do Estado se implementam de forma direta as pessoas que são pobre, que pouco ou nada tem.

Os diversos elementos cênicos eram utilizados e ressignificados, a partitura corporal dos atores e a maneira como a encenação foi pensada lembram muito o Teatro Pobre de Grotowisky. Em suma, o espetáculo utiliza-se do cavalo Marinho como mote de problematizações quanto às diversas formas de violência, revela-nos máculas sociais, políticas, ligadas ao patriarcado, e nos notabiliza uma heroína que enfrenta tal sistema, a força feminina que toma a frente, que põe figura no terreiro de Cavalo Marinho, que quebra com padrões já instituídos de toda uma sociedade, o espetáculo é um salutar, um enaltecimento de nossa Cultura Popular da força da essência feminina.

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