Foto: Divulgação
Em uma noite cálida, mas ventilada, preparava-me para assistir a mais um espetáculo no Teatro de Santa Isabel. Esperava encontrar uma amiga muito querida, para que víssemos juntos o trabalho. A fila estava gigantesca, entretanto esse é o único tipo de fila que não me deixa irritado ou triste. Grandes filas para assistir a um espetáculo teatral deixam-me imensamente feliz.
Fui assistir a um dos espetáculos integrantes do 31º Janeiro de Grandes Espetáculos: foi a encenação de Rinocerontes, da Cênicas Cia de Repertório. A encenação adapta a obra de mesmo nome de Eugène Ionesco, escrita nos anos cinquenta do século passado, sob a direção de Antônio Rodrigues, que escreveu o texto em parceria com Dudu Ramos, perpetuando no trabalho visões sobre o controle social, político e ideológico, refletindo sobre a manipulação das massas por meio das grandes mídias e o acesso a determinados tipos de informações que possam levar as pessoas à completa alienação.
A assistência de direção e preparação de elenco ficaram por conta de Sônia Romoalda; Luciana Raposo na iluminação; Antônio Rodrigues na concepção da sonoplastia; e a execução da sonoplastia por parte de Marco Santana. A produção foi de Antônio Rodrigues e Gabriela Cicarello. No elenco, estavam Dudu Ramos, Fábio Queiroz, Frederica Dias, Gabriela Cicarello, Gabriela Moreira, Gabriela Pontes, Guto Santana, Hyrllis Leuthier, Lucas Barreto, Narciso Borges, Paulo César Ferro, Sônia Carvalho e Camila Mendes.
Rinocerontes trata-se de uma crítica construída para reflexões sobre os pensamentos em relação ao totalitarismo, visto como um potencial esmagador de outras formas de se pensar e organizar a sociedade, não deixando mais lugar para qualquer tipo de oposição a tal regime. Na peça, vemos os rinocerontes passarem por sensações gradativas de mudanças de perspectiva de entendimento político e de modo de existir e viver, que permeiam sentidos e sensações, por exemplo, de espanto, banalização, aceitação e até adoração. O espetáculo nos coloca a refletir e perceber o quanto a sociedade pode deixar-se contaminar por ideais distorcidos e até banais, por intermédio da manipulação das pessoas e suas vontades. O encontro de um povo com uma fera rinoceronte, que aparece numa praça em pleno domingo, choca toda uma comunidade que, aos poucos, mergulha no caos e na mudança, colocando a nossa personagem central, Berenger, como o único representante da resistência que se propaga dentro daquela sociedade.
A iluminação estava muito refinada e precisa. Os atores aparentavam um pouco de nervosismo no começo, mas depois soltaram-se, e os textos saíam fluidos. Houve uma boa utilização dos recursos cênicos e cenários. Havia momentos em que os atores entravam em cena e reformulavam os cenários, e os figurinos mostraram-se numa paleta de cores vivas e fortes. A caracterização dos atores como rinocerontes, sempre demarcada por momentos de fúria e de encaixe de textos bem elaborados para o momento, fez com que o espetáculo estabelecesse uma química com a plateia. Rimos muito em diversas partes da peça. O único ponto negativo foi o atraso para o espetáculo começar: passamos muito tempo esperando, não somente na fila, mas dentro do teatro.
Em suma, foram momentos muito bonitos e instigantes. Uma das cenas mais interessantes foi a do momento final, onde o elenco juntava-se todo, com tônus corporal excelente, a luz vermelha de fundo e o monólogo de nosso protagonista, que falava-nos sobre a importância de não abrir mão de nossos ideais e de quem realmente somos, em detrimento de elementos ou coisas fugazes que possam dissuadir e contaminar a maior parte das pessoas. Foi arrepiante e emocionou a todos. Vida longa a Rinocerontes! Espero ter a oportunidade de apreciar essa beleza novamente. Evoé!
Muito obrigado pelas reflexões e por olhar e trazer reflexão sobre nossa arte
💙💙💙