Performance e Pretitude no Museu | Crítica de ‘Nonada’ e ‘De Mim Corro Bamba’

por Vendo Teatro
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Foto: MESGO (@gabrielrsvp)

Recife, Julho de 2024

[…] Quem pode ver seus interesses políticos representados nas agendas nacionais? Quem pode ver suas realidades retratadas na mídia? Quem pode ver sua história incluída em programas educacionais? Quem possui o quê? Quem vive onde? Quem é protegida/o e quem não é? (Kilomba, 2019, p. 76).

Certo dia, estava refletindo sobre a dinamicidade da criação artística, sobre as possíveis ascendências de atuação, fruição e criação no campo das artes. Em meio a tais pensamentos, a ponto de análise, comecei a prestar atenção de forma mais diversa na força motriz da construção artística por meio do viés da arte contemporânea, que surge como uma mobilizadora de subjetividade no século passado, impactando tanto nos modos de produção da arte, quanto em mudança na perspectiva de romper com signos sociais e artísticos reinantes na sociedade ocidental.

Muitas das possibilidades de produções artísticas, se lançam nas investigações de métodos e práticas de criação, no nosso caso, a performance, que surge enquanto metodologia da cena, a arte de comunicar-se por meio dos corpos, projeções vocais, relações arte-política, corpo-objeto, corpo-lugar e também corpo-mundo. Estas potencialidades do uso do corpo em cena e as inúmeras maneiras de se comunicar com o público em conexão com a produção artística, colocam a arte da performance como catalisadora do viver, propulsora de reflexões analíticas, críticas e subjetivas sobre a nossa vida em sociedade, nós mesmos, o mundo em que vivemos e o outro, nossos semelhantes. Que possibilidades cênicas conseguimos alçar por intermédio das performances? Uma viável resposta a esta questão se irrompeu por meio de dois trabalhos que tive o prazer de apreciar, são eles: Nonada e De mim Corro Bamba, da Companhia de Teatro Negro Macacada em Cena. 

Ambas performances foram apresentadas ao público no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM), que fica localizado no centro do Recife. “Nonada” tem direção e dramaturgia de Luiz Apolinário, conta com os artistas/performers Juan Falik e Sérgio Black e produção de Diana Paraíso. De mim Corro Bamba tem direção e performance da dupla Roby Nascimento e Ruibeni Sales. Com produção do GRAVE! Incubadora e Produtora de Artes Integradas. 

Geralmente quando a maior parte das pessoas pensa em museus, coloca-os no lugar advindo na sociedade ocidental, dos primórdios da criação desses tipos de equipamentos culturais, no ocidente, os museus surgiram em meados do séc XIX. Partindo desta premissa, muitas pessoas tendem a relacioná-los a locais de reuniões de coisas antigas ou velhas. Vale salientar que os museus são espaços de validação de discursos e memórias, são equipamentos que valoram a salvaguarda das memórias nacionais, regionais ou até mesmo pessoais, existem inúmeros tipos de museus, e suas missões e temáticas são amplas e diversificadas.

Museus de arte contemporânea como o MAMAM, são locais de construções e  relações com as artes e processos de criação e experimentação artística, o que corrobora com a premissa da criação artística por meio da linguagem da performance. No espaço do museu fomos convidados a participar das apresentações de forma integrativa, por exemplo, De mim Corro Bamba, foi apresentada no térreo do museu e trazia em uma sala expositiva diversas cadeiras espalhadas no espaço e os dois performers de roupa base preta de pé aguardando o público. Roby Nascimento e Ruibeni Sales, apresentaram uma performance que dialoga sobre o trabalho, fala sobre pertencimento, lugar de onde se vem, conflitos territoriais do mundo palpável influenciando o inconsciente e a vida, corpos em expressão, boa entonação vocal e tônus corporal por parte dos performers, um dos momentos da performance foi interessante, pois os dois interagiram entre si e posteriormente, amontoaram diversas cadeiras demarcando o território, entretanto uma frase era repetida diversas vezes e de forma cansativa, ”terra da gente é terra da gente”. 

Em Nonada, o público foi convidado para experienciar a apresentação da performance nos vários andares do MAMAM, o trabalho contém nudez, relaciona aspectos humanos primitivos tanto na corporeidade quanto na projeção vocal dos performers, Juan Falik e Sérgio Black, que conseguiram em diversos momentos chocar e tocar o público com seus corpos, que comunicavam-se de maneira visceral e dinâmica, momentos ímpares foram desfrutados pelo público apreciador do trabalho performativo, os performers hora em fúria, hora em momentos de acalanto, fome, o envolvimento entre os corpos em conflitos sobre a fome, a força, o fôlego de vida, a latência da experiência que ora vislumbra o poder e força, hora transitava pelos afetos.  

Em cada andar tínhamos adereços e elementos cênicos que os performers interagiam, o público foi convidado a acompanhar o trabalho de pés descalços, boquiabertos a cada elemento novo que nos era mostrado. Houve diversos momentos interessantes, por exemplo, o que eles começaram a interagir um com o outro com uma faca na mão, isso deixou o público tenso no momento, outro momento instigante foi quando entramos em um dos espaços do museu e tinham várias roupas amontoadas em meio a um grande tecido branco espalhado pelo espaço, repleto de finas linhas de barbante vermelho espalhados, onde eles se enrolavam e interagiam um com o outro e de repente perceberam-se despidos e esconderam-se no amontoado de roupa para depois ressurgir em cena despidos e relutantes um com o outro.  

A potencialidade do uso dos corpos pretos no trabalho performativo coloca a arte contemporânea e o trabalho dos artistas/performers em evidência, coloca também o museu enquanto espaço de experimentação artística e ambos trabalhos tocam em questões relacionadas a problemáticas étnico-raciais, subjetividades e inúmeras maneiras que corpos têm para comunicar-se. 

Um corpo preto e um corpo branco tem maneiras diferentes de ser e estar na sociedade ocidental, se formos refletir sobre a realidade nacional, estadual, entenderemos que os corpos pretos tendem a passar situações de violência e de vulnerabilidade social, enquanto corpos brancos não sofrem tais impactos de forma tão expressiva. É preciso que reflitamos sobre que possibilidades artistas pretos conseguem alcançar tanto na cena teatral, artística pernambucana quanto na cena nacional. Trabalhos como os da Companhia de Teatro Negro Macacada em Cena, agregam reflexão crítica sobre a vida e o viver, provocam empatia e desconfortos, enaltecem a produção cênica local e colocam os trabalhos dos artistas em um patamar de latência da arte, torço para que num futuro próximo mais artistas, grupos, companhias ousem tal como eles, saim do lugar comum e criem artísticamente em detrimento da reflexão sobre a vida, seus problemas, emoções, tristezas e alegrias, viabilizando contruçoes cênicas, dramatúrgicas, com preceitos antirracista, não alienante. Enquanto artista e pessoa afrodescendente, senti-me tocado por ambos trabalhos. Ansioso para apreciar os próximos da companhia e de seus artistas/performers. 

Vendo Teatro – Incentivo Funcultura 2022/2023
Proponente, coordenadora e criadora de conteúdo: Aline Lima
Produção Executiva: Sabrina Pontual
Críticos teatrais: Luiz Diego Garcia
Cleyton Nóbrega
Lucas Oliveira
Gabrielle Pires
Coordenador crítico: Luiz Diego Garcia
Jornalista: Paulo Ricardo Mendes
Designer Gráfico: Allan Martins

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