Foto: Doralice Lopes
Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Dezembro 2023
Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara.
Eduardo Galeano
Existem momentos que nos levam a profundos estados de reflexão e percepção do mundo e da vida. Comumente, estamos inseridos em realidades díspares e abrigamos em nossos pensamentos infinitos mundos, lampejos de memória e afetividades que podem ir e vir levados pelos ventos. Acabei vivenciando, de maneira leve, divertida e intuitiva, a experiência de assistir ao espetáculo “ZAPOLAH – um tango entre nós” do Grupo ZAPOLAH, no Teatro Apolo no centro do Recife-PE.
A encenação ocorreu como parte do Festival Estudantil de Teatro e Dança (FETED), que tem foco na difusão das Artes Cênicas entre estudantes de escolas privadas e públicas do estado de Pernambuco. O festival propõe diversos encontros, peças teatrais, seminários, entre outros eventos, acarretando na relação dos estudantes com a arte e cultura, ampliando interações sociais e aprendizagens. O trabalho foi construído a partir do Curso Profissional de Teatro da Escola Municipal de Artes João Pernambuco e foi criado a partir de sete performances desenvolvidas na disciplina de “Laboratório de Composição Cênica”, utilizando textos de “O livro dos abraços”, de Eduardo Galeano, que remonta a trajetória da América Latina, abordando questões profundas relacionadas à memória coletiva e individual.
A obra resgata diversas memórias do autor e de pessoas íntimas durante o exílio do autor na Espanha, em meio à ditadura cívico-militar no Uruguai, na segunda metade do século XX. As histórias contadas no volume têm o poder de tocar nossos sentimentos e almas, por mais simples que possam parecer.
Na direção: Juliana Rodrigues, Orientação: Fred Nascimento, Preparação corporal: Juliana Rodrigues e Juliana Nardin, Iluminação e operação de luz: Diniz Luz, Sonoplastia: Juliana Rodrigues, Operação de som: Carlos Ferreira, Ilustração: Luan Amim, Elenco: Gabriel Ferreira, Letícia Lopes, Luana Farias, Malu Florentino, Rafael de Souza e Rosa Freitas. A encenação tinha luzes fortes, demarcadas, que embalaram o público com seus vermelhos, lilases e azuis. O que me chamou bastante a atenção foi o uso da técnica da glossolalia (série de sons ou palavras cujo sentido os ouvintes não podem compreender) – as personagens que entravam em cena dialogavam entre si e com o público utilizando-se de uma linguagem que não conseguimos interpretar facilmente. Entretanto, esse elemento foi bastante instigante para compreender a intenção das personagens em cena e os sentimentos que cada um trabalhou na interação em grupo e com o público.
Um elo provocante entre as personagens era o tango, um demarcador da potencialidade dos inúmeros dramas apresentados através delas, que ficavam sentadas em pequenas mesas, formando uma meia lua. Esperávamos pela interação entre cada uma das personagens que nos encantavam com seus gestos, movimentos e falas, ajudando-nos a entrar na atmosfera da peça. A roupa dos atores, sempre delimitada pelo vermelho, e a sensualidade na interação entre alguns personagens nos convidaram a interagir vividamente em vários momentos. A plateia interagiu, aplaudiu, gritou; foi muito divertido contemplar a encenação que se desvelou. O trabalho trouxe questões que tocaram em relações étnico-raciais, de gênero, feminilidade e masculinidade, teceu diálogo sobre os dramas humanos e marcas deixadas em nós ao longo de nossas experiências e aprendizagens da vida.
O espetáculo dirigido pela talentosa Juliana Rodrigues nos revela as vontades do inconsciente, coloca o corpo e mente a pensar na dança-teatro e no teatro-vida, nos envolveu de forma cálida e visceral. O elenco estava à vontade em cena, com corpos em prontidão e partituras corporais, marcações e danças muito bem demarcadas. Torço para que o grupo continue aperfeiçoando o trabalho, os futuros projetos e que possamos ter a oportunidade de ver, sentir e experienciar a arte do Grupo ZAPOLAH em cena, pelos teatros de Pernambuco e deste Brasil. Evoé.