Teatro Político, o riso no despertar de reflexões | Crítica de Berço Esplêndido 

por Vendo Teatro
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Foto: Divulgação

Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro 2023

No teatro, jamais é possível o prazer solitário.
Se a platéia está deserta, a representação fica
prejudicada. O público quer a percepção de seu
estar-ali coletivamente. Ele quer se sentir,se ouvir,
experimentar seu pertencimento, sua reunião. Os
espectadores querem se ver uns aos outros. 
Denis Guénoun

O que nos leva a refletir sobre a vida e suas inconsistências? Será que somos realmente motivados a meditar sobre as experiências de vida que passamos? Como as decisões e ações que tomamos exercem impactos profundos em nossas vidas? Estas e outras questões foram as que vieram à mente quando tive a oportunidade de assistir ao espetáculo Berço Esplêndido, com direção de Quiercles Santana, a excelente iluminação de Luciana Raposo e a afinada dupla de atores, Cleusson Vieira e Sóstenes Vidal; compondo a programação do 29º Janeiro de Grandes Espetáculos. 

Quando cheguei ao Teatro de Santa Isabel no centro do Recife, observei que já estava sendo formada uma grande fila para apreciação do espetáculo, algumas pessoas falavam que era a primeira vez que vinham ao Teatro, outras comentavam que a peça era uma comédia e em meio a estas falas, inebriado com o cheiro de pipoca quentinha, esperei o momento da entrada. Assim que chego, observo atentamente a arquitetura e beleza do prédio, ao mesmo tempo me sinto atraído pelo som de tom fúnebre que tocava, resolvo olhar atentamente ao palco e vi dois caixões de pé semiabertos com os atores dentro, a luz baixa, fumaça, um banco, velas espalhadas no palco e uma coroa de flores no meio, entre os caixões. Quando todos estavam acomodados a peça começou.

As personagens de dentro dos caixões trocavam mensagens por meio de um aplicativo de mensagens, e se questionavam sobre o motivo deles estarem naquela situação: “mortos”; até que saíram de dentro dos caixões e começaram a brigar, um deles era de direita e o outro de esquerda, um apoiava o presidente atual o outro o antigo presidente, em meio a piadas e situações muito engraçadas e surreais, cada um defendia seu ponto de vista de maneira muito forte e empolgada, os atores utilizavam o espaço do palco e os objetos em cena de maneira muito dinâmica, os caixões funcionavam como um tipo de apoio a encenação, deles saíram acessórios, roupas, dentre outros objetos que foram ajudando a dupla a contar a história.

Rir sobre processos de vivência que demarcaram um período assombroso no nosso país, discutir sobre o sentido da necropolítica (é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer, e que tipo de corpos entram nessa lógica de morte/vida, delimitando-se a partir do poder social e político) – do cenário político e ideológico nacional e ver a reação do público a cada estímulo ou texto que era dado no palco foi muito empolgante, ainda mais quando as personagens que debatem sobre isto, levantam-se de suas próprias covas para tal debate, é de deixar qualquer um boquiaberto, o espetáculo enfatiza questões de intolerância política e violências em diversas esferas, sejam elas política, armamentista, partidária, social e de gênero. Nos põe a examinar nossas falas e atos, a maneira como questionamos, lemos e nos relacionamos com o mundo, maximiza o poder que o teatro tem de nos fazer enxergar nossos sentimentos, de discutir sobre política e vida de maneira inteligente. 

Em um dado momento do espetáculo, no calor de uma das discussões da dupla ,aconteceu um beijo e a partir daí, fomos convidados a nos aprofundar na história do casal homoafetivo, o espetáculo ganhou neste momento novas cores, novas possibilidade e muitas rememorações dos momentos íntimos do casal ao som de I Will survive da Gloria Gaynor, e rolando no chão, todos riam muito alto naquele teatro, foi uma experiência muito divertida, agregadora de reflexões. 

Fiquei me questionando até que ponto a cena acima, e a maneira como ela foi pensada, reflete  estereótipos em relação às pessoas LGBTQIA+, e até a música do casal não fugiu dessa visão, até mesmo os maneirismos da dupla de atores em cena; estamos no séc. XXI, e algumas maneiras de se representar por intermédio da arte determinados grupos precisa ser desconstruída, renovada, e com urgência. É preciso sair do lugar comum da representação e é preciso que se entenda o impacto político e social negativo que determinadas cenas, e escolhas de encenação, podem ter para algumas pessoas.

O espetáculo nos coloca para pensar coisas sobre o respeito a opinião do próximo, sendo ela política ou não, nos mostra até que ponto a falta de respeito pelo próximo e as coisas que ele acredita pode nos levar a perder aqueles que amamos, a peça nos coloca a ponderar sobre que tipo de cidadão/pessoa podemos ser, e como podemos tornar o mundo melhor agindo com generosidade e verdade, aplaudidos de pé, ao final, todos foram saindo aos poucos do teatro, mas as sensações e experiências sentidas ainda reverberam em mim.

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Marcelo Costa
1 year ago

Ótima matéria, realmente o espetáculo é muito bom. Meus amigos Cleusson Vieira e Sóstenes Vidal arrasam, porém faltou um pequeno detalhe que talvez passou desapercebido pela Revisão Crítica. Informar quem escreveu o texto? Que são os autores de Berço Esplêndido?

Cloves cordeiro
1 year ago

Gostaria de saber quem são, ou quem é, o autor, ou autores da peça.

Last edited 1 year ago by Cloves cordeiro

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