Foto: Divulgação
Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro 2023
Já ouço gritos ao longe
já diz a voz do amor
a alegria do corpo
o esquecimento da dor
José Saramago
Ir ao teatro depois de determinado tempo foi algo muito instigante, ainda mais quando essa retomada se estabelece na apreciação de um espetáculo circense. Fazendo parte do 29º Janeiro de Grandes Espetáculos, Enquanto Godot Não Vem da Cia. 2 em cena, nos apresenta três personagens, os palhaços Dodô -Sóstenes Vidal, Cadinho – Ricardo Vendramini e Dunga – Davison Wescley.
As 3 personagens, ao adentrarmos no teatro Apolo localizado no Recife Antigo, estavam nos recepcionando sentados cada um deles em cima de uma mala, as malas, no decorrer do espetáculo, foram utilizadas como objeto cênico interativo e agregador de vida e movimento a encenação. Foi notável a empolgação das crianças e de todas as famílias interessadas em assistir ao espetáculo, o teatro lotou de gente.
Assim como na peça de Samuel Beckett, Esperando Godot (1952), onde as personagens Vladimir e Estragon, esperam Godot chegar enquanto ele nunca chega, vemos estes três palhaços que estão lá, a espera de um grande mestre em palhaçaria que os guiaria ao estrelato e as técnicas de circo mais extraordinárias e mirabolantes, mas esse nosso espetáculo, Godot também não chega. O espetáculo se constrói na relação singular entre a melancolia e a alegria. A maneira como a encenação foi feita, as sutilezas apresentadas em cada movimento, firula, ou cambalhota no palco despertaram um mix de sensações e a risada da criançada e dos adultos. os elementos cênicos foram utilizados de maneira muito criativa, cada uma das malas que as personagens se relacionou durante o espetáculo, guardava suas magias, entre rádios e roupas de ballet, corpos dispostos e em ação, a platéia ficou empolgada e houve um rapport excelente , a magia do circo no teatro foi construída de maneira muito visceral e pura.
A iluminação nos ajudava a entrar na atmosfera da encenação, assim como na peça de Beckett, existia uma espécie de árvore no meio do palco, que no início da encenação tinha uma flor vermelha iluminada em um pequeno feixe de luz, fiquei me indagando sobre aquele detalhe tão específico, me perguntando, qual o motivo de só essa flor estar em destaque. A resposta veio próxima ao final da peça, as personagens descobrem que o mestre não os encontrará e, como homenagem, depositam na árvore os seus narizes de palhaço em meio a uma trilha sonora lenta e soturna, blackout.
O espetáculo nos faz refletir sobre o nosso tempo, o que fazemos com ele, que qualidade nós damos ao tempo que temos aqui, e nos esclarece de maneira simples e objetiva que a melancolia e a tristeza fazem parte do viver, da mesma maneira que a alegria, as boas energias, o poder do riso, mas a maneira como passamos nossas vidas, com amigos e familiares, a forma como aproveitamos esse tempo, no intercâmbio de boas sensações, fazendo rir e até chorando, validam o viver e nossas trocas de experiências, vibrações e sentimentos.