Foto: Juliabe Balbino
Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Janeiro 2021
Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar.
Chico Science
Durante muito tempo fiquei pensando sobre como era bom voltar ao teatro depois de tanto tempo em casa durante a pandemia. Não via a hora de poder apreciar algum trabalho. Felizmente, tive a oportunidade de assistir um espetáculo que fez parte da Mostra Transborda as Linguagens da Cena-SESC, que aconteceu no palco do teatro Marco Camarotti no bairro de Santo Amaro, Recife.
Quilombos são lugares de fortalecimento e de aprendizagem, existem quilombos na atualidade que se destacam aqui em Pernambuco como o Quilombo Do Catucá em Camaragibe-PE, a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas em Salgueiro-PE, e tantos outros. Esses espaços assumiram, no decorrer da construção de uma identidade nacional e de evolução das comunidades pretas, a melhora de vida, a importância das relações comunitárias e de aspectos que estão relacionados com a luta contra o racismo sistêmico e estrutural que vivenciamos no país.
Segundo o dicionário, o termo aquilombar é o mesmo que reunir e está, a meu ver, foi a intenção de criação do espetáculo “Barbarize Aquilombando no Transborda”, com Direção de Foster, que é encabeçado pela dupla Bárbara Espíndola e YuriLumin, artistas e divulgadores de um estilo que mescla elementos do rap, hip hop, a musicalidade africana e também o funk nacional. O duo e o coletivo demonstram não ter medo de experimentar, e tecem uma relação muito proveitosa com a linguagem cênica.
A peça de teatro-musical utiliza-se de elementos que dialogam com diversos campos artísticos, por exemplo, moda, performance, poesia e dança. De fato, funcionou bem construir relações com esses elementos, o ritmo da encenação é muito bom, os atores em cena falavam diretamente com o público, quebrando a quarta parede e inserindo na dinâmica da peça as respostas dadas pelo público funcionando como motes para as situações que aconteciam durante a encenação. A interação que foi construída com o público nos colocava como parte da encenação, pois os atores interagiam com as pessoas e traziam palavras ou situações que foram explanadas por esse público na encenação, os atores souberam ter um bom jogo de cintura e improvisaram muito bem, foi uma escolha de encenação que realmente funcionou, dando um ar jovial e interativo à peça.
A iluminação estava muito afinada e ajudava na composição dos cenários, criando uma atmosfera real, mas ao mesmo tempo parecia um mundo de sonhos. As cores azul, lilás, vermelho e amarelo, eram predominantes na encenação, o que ajudou em diversos momentos a entender o sentido que as cenas construíram junto com as músicas. A mistura entre o real e o imaginário, o teatro tratado como meio de se falar sobre as problemáticas da vivência. As músicas do duo se misturavam às cenas curtas e tiveram um início, meio e fim. O que me ajudou a não me sentir perdido em meio às informações que eram lançadas.
Vale pontuar que a projeção vocal de alguns dos atores, algumas palavras ditas durante as cenas curtas não ficaram muito audíveis do fundo do teatro. O espetáculo configurava-se em apresentações destas cenas curtas e na apresentação/encenação dos clipes posteriormente. Sendo todo o trabalho de canto e dança feito ao vivo.
Esteticamente os adereços cênicos e figurino belíssimo da Patrícia Souza, maximizaram a potência do trabalho, que toca sobretudo nas relações dos corpos pretos, periféricos e a vida na modernidade. Evidenciamos em cena as problemáticas que tantas pessoas pretas e outras minorias passam no decorrer da vida. Espetáculos que consigam dialogar de maneira tão compromissada e forte com esses aspectos político-sociais devem ser valorados, aprimorados e divulgados.
A cena final que traz a protagonista do espetáculo em um monólogo falando abertamente ao público sobre as instâncias de experiência de vida que uma mulher preta passa no decorrer da vida, arrepiam, nos faz refletir, emocionou demais. Me fez refletir sobre as minhas próprias experiências de vida enquanto um homem negro e nordestino. Era o que faltava, esse monólogo se fez bastante necessário para uma compreensão mais aprofundada sobre o espetáculo “Barbarize Aquilombando no Transborda”, comunicando, fazendo refletir sobre os lugares que corpos negros ocupam na sociedade brasileira, e também sobre a validação de de discursos e locais de fala, fiquei refletindo sobre a violência sistêmica relacionadas aos corpos pretos e sobre o lugar que pessoas como eu ocupam na sociedade, ver uma peça em que a maioria das pessoas que compounham o espetáculo são negras e periféricas tendo voz e se impondo no mundo por intyermédio da arte. Algo que termina nos tirando do lugar comum.
Como é bom ir ao teatro. O que essa arte tem de tão mágico que nos embriaga? Nos leva? Nos move? Com muita empolgação e palmas, o espetáculo se encerrou e trouxe o preto para o lugar do empoderamento, da beleza, força e resistência. Espetáculos nessa conjuntura são necessários, pois no coloca a pensar o outro por meio de outras perspectivas, assim podemos entender melhor sobre os problemas e vida do outro refletindo sobre os nossos próprios problemas e relações com o mundo, lidar com o novo, o diferente, e evoluir nossas visões e relações no mundo conosco e com o outro. O sabor do novo, quando é bom, é inesquecível.
Que perfeito. Queria ter ido, mas não deu. Obrigado pela explanação e sucesso ao Barbarize. Eles são demais. ALMA AFRO!