Foto: Gilberto Rosa
Por Luiz Diego Garcia
Recife, Novembro de 2021
1550.
A história do teatro em solo brasileiro começa quando a colonização portuguesa estava nos seus primeiros anos; os jesuítas chegaram ao Brasil tendo como uma de suas funções catequizar a população indígina originária brasileira. Segundo o artigo intitulado O Teatro Jesuítico na Europa e no Brasil no Século XVI “no Brasil o objetivo central era catequizar os nativos, projeto civilizador ligado a um projeto maior: a colonização portuguesa. Não era a erudição a preocupação do padre José de Anchieta ao escrever suas peças de teatro, mas sim atingir os índios com a mensagem cristã.” Diga-se de passagem, massacrando assim as crenças dos nativos e impregnando-lhes com uma cultura eurocêntrica dominadora e seus valores opressores.
2021.
A adaptação para os palcos de O Vendedor de Sonhos, obra homônima de Augusto Cury, vendido mundialmente e traduzido para dezenas de idiomas, fora apresentada no Teatro Riomar às 21h. O espetáculo conta com uma produção sudestina e é dirigido por Cristiane Natale, que junto ao próprio Cury e a Erikah Barbin assinam o texto para o teatro. Na trama, o personagem Júlio César tenta suicídio, mas é impedido de cometer o ato por um senhor em situação de rua, o dito “Mestre”, que lhe vende uma vírgula (ao invés de um ponto final), para que continue a escrever a sua história. Juntos encontram Bartolomeu, um alcoolista também em situação de rua que decide juntar-se a eles na missão de vender sonhos.
1550/2021.
Numa proposição liberal-capitalista que se inicia já pelo título da obra, a trama segue seu curso de irresponsabilidades sociais ao longo dos seus morosos 90 minutos. Passando por um descuido com temas sensíveis como o suicídio, numa cena exdrúxula em que o Mestre usa de um discurso similar ao meme “pare de ter depressão” e tudo muda como num passe de mágica na outra personagem, sem levar em conta a complexidade da temática e a multifatoriedade da doença. Ainda de forma leviana, há uma tentativa de humor com uma cena de assédio contra uma mulher, que apenas passa como brincadeira, um personagem tenta beijar a moça “acidentalmente”. Não há espaço para relevar tais cenas inconsequentes.
Numa tentativa de filosofar sobre os tempos atuais, o texto de Cury tropeça em si mesmo ao colocar a humanidade de frente a si em sua ação individual, e não coletiva. O ser humano de Cury é responsável pelo caos do mundo enquanto indivíduo subjetivo e singular. Como se o problema climático, por exemplo, fosse causado pelo uso do chuveiro elétrico de fulano, ou pela vez que ciclano esqueceu a luz da sala acesa; e não porque existe um capitalismo desenfreado e que o agronegócio é de fato responsável pela maioria do uso de água potável do planeta.
Na continuidade da trama, há ainda um desenho de uma filosofia rasa sobre a existência humana em sociedade, que mais uma vez é abordada na peça de forma incoerente. Há uma romantização de pessoas em situação de rua; como se nelas houvesse pureza de valores a serem alcançados e almejados, visto que as mesmas não têm bens materiais que pudessem, como no texto, estragar as suas essências. Nesses atos ofensivos de flertes com uma meritocracia de valores, O Vendedor de Sonhos passa por uma horizontalidade imensa na sua proposta. Um espetáculo moralista, catequético e em desalinho com o cuidado à vida que tanto busca pregar.
O elenco enxuto encontra respiro no carisma de Adriano Merlini para tentar balancear as longas cenas de diálogos monótonos. Também valem-se do talento de Luiz Amorim enquanto navegam as tortuosas águas do texto dito. Mas no todo, mesmo esforçado, o texto na boca dos atores não vinga. Com um cenário sendo composto apenas por um imenso painel amassado que alude a uma grande metrópole, tal simplicidade de elementos cênicos dá espaço para preenchimento pelo elenco e texto; que aqui, infelizmente, ocupa o vazio com formas-conteúdo díspares e problemáticas.
Terminando a apresentação com um número de pessoas menor na platéia do que o que começou, o trabalho dos vendedores de sonho aqui não se distancia muito dos seculares jesuítas na catequese moralista doutrinadora de culpas.
Não assisti. Mas achei a critica judiciosa e cuidadosa. Graças a deus.
Muito interessante sua crítica. Pensei em assistir a peça no teatro, mas, antes disso – – como sempre faço, visualizei alguns trechos na Internet buscando críticas negativas e positivas porque “tempo é dinheiro e ‘dinheiro demanda tempo (kkk)” . Também não dou à mínima para spoiler (kkk). Ora, tão logo nasceu a vontade de assistir, logo logo faleceu. A verdade é que a peça limitou-se ao que propôs o livro que, aliás, não li nem lerei. Prefiro hoje ler as cartas de Caio Fernando Abreu cujo tempo é proveitoso. Kkk