Jogo da Vida | Crítica do experimento cênico Espasmos

por Vendo Teatro
0 comentário

Foto: Divulgação

por Ananda Neres
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Março de 2021

Projeto autoral do Grupo Ocaso, o experimento cênico-virtual, incentivado pela Lei Aldir Blanc, realizou temporada gratuita nos dias 13 e 20 de março de 2021, em 4 sessões. Espasmos nos convida a buscar/ detonar a poesia.

O experimento é elaborado de maneira gamificada, ou pelo menos se propõe a sê-lo. Iniciamos a experiência pelo Whatsapp, num momento que chamarei aqui de “Tutorial”. Nele, a player Saritah pergunta, entre outras coisas, meu nome, e dá as regras do jogo. Contudo, diferentemente dos games, imediatos por essência, essa comunicação entre o espectador e a player é lenta. No meu caso, com até 2 minutos entre uma mensagem e outra, fato que compromete um pouco a ilusão de game.

Inicia-se a primeira de 3 fases. No estágio 1, num grupo de Whatsapp, residentes de uma vila discutem por causa do barulho causado pelo filho de um morador, que está jogando Espasmos. No desenrolar da conversa e das reclamações, vamos conhecendo essas personagens que vivem na vila, suas personalidades e crenças. Algumas muito caricaturais, outras mais autênticas. De todo modo, divertidas. Quem não se reconhece numa discussão de vizinhos? Após um aparente bug, um evento específico encerra a primeira fase.

No estágio 2, descobrimos que os residentes da vila do estágio 1, eram personagens do jogo Espasmos controladas pelas pessoas que estão interagindo no estágio 2. Após essa informação, saímos do espaço privado do Whatsapp e nos deslocamos para uma live de lançamento do game Espasmos 2, no Instagram. A live ocorre de maneira bastante atribulada. Além dos problemas de conexão presentes na narrativa, na sessão que assisti, a conexão de internet da personagem WinxHot realmente estava oscilante, fato que prejudicou a compreensão daquilo que se falava e se mostrava em sua tela. Tal como a relação desta fase com a próxima. Esse momento nos leva então ao estágio final.

Nos reencontramos todos no Zoom Meetings. Num primeiro momento, o aspecto visual evidencia-se. No escuro, ao centro da tela dos players, um círculo colorido (realizado com uma ring light) gira, assemelhando-se às telas de carregamento. Por trás do carregamento, surgem fantasmagoricamente os jogadores. 

Iniciado o estágio 3, uma das jogadoras passa por um momento de crise, fala dos problemas de sua reclusão, apresenta contrações musculares involuntárias. Todavia, essa movimentação incontrolável pouco reverbera no corpo dela ou dos outros jogadores fora daquele momento. Aparece somente quando comentada ou quando se faz necessário enfatizar essa reação em cena. Em outras situações, é como se não existisse. 

Após a crise, esta mesma jogadora reaparece no mesmo espaço em que estava antes, mas agora está imersa na realidade virtual de Espasmos. A casa dela é o próprio universo do game. Aqui, ressalto o uso criativo da casa em que a atriz está, utilizando as portas, janelas, luzes coloridas, entre outros elementos, como possibilidade para o jogo. O uso da câmera nesse momento também destaca-se, pois acompanha a jogadora-personagem pelas etapas, mas não resume-se a um plano aberto, movimenta-se e enquadra a jogadora de modo a focalizar elementos que contribuem para a narrativa. 

Enquanto a cena ocorre, os outros jogadores falam sem parar.  Tanto orientando, como comentando as ações da jogadora-personagem. O resultado é gritado e incômodo. Faz com que o espectador divida a atenção com a cena que se desenrola. O game encaminha-se para seu encerramento.

Há como ganhar? Só é possível descobrir jogando.

Durante o experimento cênico, apesar da apresentação de game e do convite inicial para jogar, o espectador assume uma posição passiva, acompanhando o desenvolver da trama sem poder, de fato, acessá-la. Não somos jogadores de Espasmos. Mal comparando, é como se assistíssemos a uma livestreaming do game, em que os players reais compartilham a sua experiência. A metalinguagem amplia-se no momento em que assistimos aos jogadores assistirem a uma jogadora específica, que entra em Espasmos dentro de Espasmos. É como se a vida fosse o jogo ou se jogo fosse a vida. O limite entre esses âmbitos é tênue.

O experimento revela-se uma crítica ao momento que se vive em isolamento social e falta de perspectiva de solução ou fim da pandemia da COVID-19. Espasmos. Realidade que é fatalmente somatizada pelo organismo em quarentena e se expressa fisicamente em diferentes pulsões e desarranjos. Espasmos. Consumo excessivo de comida, bebida e remédios. Insônia. Espasmos. Ausência de controle. É válido ressaltar que a crítica feita pelo grupo é marcada pelo lugar de que se fala – de onde e sobre o que se fala – a classe média. O experimento reflete parte da população que pode ficar em casa isolada e jogando. Espasmos. Nenhum dos players apresentados parece possuir algum trabalho que necessite sair de casa em função de sobrevivência, como é a realidade da maioria da população brasileira hoje. Espasmos.

O grupo Ocaso apresenta muitas ideias e críticas, mas elas parecem frouxas . Fora de ordem. Muito do que acontece não é explicado. Os estágios não parecem pertencer ao mesmo jogo. A crítica à violência policial, apesar de pertinente e necessária, por ser esta uma instituição falida e desumana, aparece apenas ao final, deslocada, ainda que dialogue tematicamente. O resultado é confuso. Talvez seja esta a intenção. Espasmos reflete parte do caos e da ilogicidade do Brasil de 2021.

0 comentário
Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Related Posts