Foto: Samuel Santos
Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Março 2021
“O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir”.
Djamila Ribeiro
Quando li a sinopse do espetáculo A Faca do Grupo O Tabuleiro de Teatro da cidade de Caruaru, fiquei instigado em apreciar a montagem. O espetáculo do grupo toca em questões relacionadas a violência contra as mulheres. Segundo o Atlas da violência 2020, em 2018, 68% das mulheres que foram assassinadas no Brasil eram negras. O que explicita a precisão e relevância dos diálogos levantados pelo espetáculo por meio da brilhante atuação da atriz, ativista e feminista Rizo Silva.
O vídeo-espetáculo carrega em sua composição questões de relevância e que fazem parte, infelizmente, da vivência de inúmeras mulheres vítimas de violência doméstica e do feminicídio.O Brasil é um país de maioria negra, com 56% da população preta ou parda, e sabemos muito bem que as políticas públicas nesse país carregam inúmeras diferenças, principalmente relacionadas a questões de cor.
Vivemos num dos países mais violentos para mulheres no mundo; onde as mulheres negras são as maiores vítimas, o que nos revela a importância e relevância de problematizar questões relacionadas a essa realidade. O teatro praticado, a partir dessa perspectiva, expressa a importância de seu impacto político-social.
Fazendo parte do IV Festival Luz Negra do grupo O Poste, o espetáculo A Faca do Grupo O Tabuleiro de Teatro quebra a quarta parede, é intrigante e genuinamente questionador de tabus relacionados a violência vivida pelas mulheres, a atriz em cena surge em um cenário montado por bancos em círculo, no chão vemos várias flores espalhadas, a atriz veste uma roupa branca e no decorrer das cenas vai nos revelando um mundo de horror vivenciado por inúmeras mulheres, não tem como não ficar impactado com o que é dito em cena, são histórias de violência, tortura física e psicológica e muito desrespeito para com as mulheres, a iluminação e a sonoplastia muito afiadas ajudam a embarcar naquela realidade desvelada a nós, a sensação que tive foi a de estar adentrando em um universo paralelo\alternativo de verdades tenebrosas e muito fortes.
Apesar de revelar a dor e o sofrimento, a peça nos mostra a força, persistência e resistência do feminino. Dialoga com a ancestralidade e o poder inerente às mulheres e somos indagados pela atriz: Qual é a faca que te fura? Que te corta? Que te rasga? Essas perguntas não saem da minha cabeça. Questionei muito quando assisti a peça e questiono agora o meu lugar de privilégio no mundo, só pelo fato de ser homem. É preciso que medidas mais severas sejam tomadas por parte do Estado para com os homens que não cuidam e não amam suas companheiras, que enxergam as mulheres como posse.
As mulheres não estão de braços cruzados, o espetáculo A Faca é prova disso. E que surjam na cena estadual, no agreste, sertão e litoral mais trabalhos assim, emancipadores da consciência coletiva, trabalhos agregadores de mudança de perspectiva, o mais do mesmo enjoa, espetáculos como o do Grupo Tabuleiro de Teatro nos traz o frescor da novidade e do teatro enquanto função política e potencializadora de reflexão.