Foto: Divulgação
Por Cleyton Nóbrega
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Março de 2021
Assim que soube que o grupo O Poste-lançaria um vídeo performance que tocava em questões relacionadas a espitualidade, feminismo negro e ancestralidade, fiquei na ânsia de apreciar esse trabalho. O coletivo assim como tantos outros grupos que fazem a cena do teatro em Pernambuco teve que reinventar suas práticas, espetáculos e maneiras de abordar o público apreciador de seus trabalhos. Em tempos de pandemia, nós, artistas, tivemos que estabelecer estratégias bastante criativas e inovadoras, no fomento das artes cênicas dentre outras artes tanto em Pernambuco como em todo o Brasil.
A performance IGBEIYW, é um primor, é atual e bastante precisa em tocar questões de relevância a toda uma sociedade. O texto é escrito por Talles Ribeiro e a direção é de Samuel Santos. Em cena os atores Agrinez Melo e Talles Ribeiro, remontam uma belíssima história de casamento, o casamento entre a menina da praia e o menino da zona da mata. A menina ligada ao orixá Iansã e o menino ligado ao orixá Omulu. A relação dos dois posta enquanto elemento de ligação do litoral e do interior. IGBEIYW significa casamento em Iorubá. Os iorubás formam um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África Ocidental, da qual fazem partes países como: Gana, Benim e Togo. Durante o período escravista no Brasil, diversas pessoas dessa região foram trazidas para o país tornando-se escravizadas, na atualidade existem diversos grupos de afrodescendentes que propagam, repercutem e perpetuam os saberes e práticas dos povos africanos aqui no Brasil.
A performance utiliza-se de uma sonoplastia feita pelos próprios atores, existem diversos instrumentos em cena, inclusive percussivos, a iluminação está bastante afiada com os momentos que seguem na narrativa. A performance dá menção a ancestralidade, espiritualidade e foca nas novas masculinidades negras positivas, o respeito, carinho e a troca estabelecida por meio da performance em cena, pode nos colocar a refletir sobre qual o papel que o homem negro assume dentro de suas relações, com sua masculinidade e as mulheres, será que determinadas formas de se portar e tratar suas parceiras revelam mais uma masculinidade tóxica? Como esses homens negros são ensinados a tratar as suas companheiras? De maneira colaborativa? Respeitosa? A performance nos explicita por meio da movimentação do corpo no espaço e do texto a força latente dos orixás Iansã e Omulu, a ligação do humano com o divino, nos leva a refletir sobre a necessidade de uma desconstrução de narrativas étnico-raciais permeadas pelo desrespeito, desamor e violência contra a mulher negra; sendo mais enfático, as mulheres negras merecem todo o nosso respeito.
A performance me levou a refletir sobre minhas práticas para com as mulheres que fazem parte de meu convívio social. O trabalho mostra perspectivas e nuances para uma quebra de esteriótipos e práticas enaltecedoras da violência dentro das relações de homens negros para com as mulheres negras. Ser gentil e cortês com uma mulher independente da sua etnia é o mínimo, homens.
Vivemos tempos difíceis, precisamos nos unir para uma relevante mudança de perspectiva e práticas menos nocivas dentro das nossas relações sociais. Performances como IGBEIYW, potencializam e turbinam a reflexão sobre as diferentes maneiras de lidar com a vida.
Na masculinidade positiva o homem negro é posto não como um tipo de dono e senhor da mulher, mas sim como um incentivador, apoiador e agregador de vida para com sua companheira. Repensar tais perspectivas é algo tão atual e tão fundamental. Trabalhos como este são e se fazem indispensáveis e assim, podemos vislumbrar mudanças de perspectiva. Por mais performances negras na cena teatral pernambucana e que venha o festival Luz Negra – O negro em estado de representação do grupo O Poste, estamos ansiosos.