O Consueto no Tablado | Crítica de Bando: Dança que Ninguém Quer Ver

por Vendo Teatro
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Foto: Divulgação

Por Matheus Campos
Revisão Crítica: Luiz Diego Garcia
Recife, Abril de 2022

Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada por uma risada!
— Fiedrich Nietzsche

Dentre os traços que circunscrevemos com nossos corpos em nossas vidas-estradas, pergunto-me: quando de fato não dancei? Seja figurativamente ou literalmente, em algum momento dancei. Cada dia dançamos, dançamos muito.

Mas qual seria o conceito de dança? Para o filósofo francês Merleau-Ponty “a dança se desenvolve num espaço sem objetivos e sem direções, é uma suspensão da nossa história, o sujeito e seu mundo na dança não se opõem mais, não se destacam mais um sobre o outro”. A antropóloga estadunidense, Judith Hanna, diz que é uma ação humana constituída de movimentos motores diferenciados dos usuais, esses movimentos possuem uma intenção, estão sob uma perspectiva cultural e consequentemente atendem a uma valoração estético-artística. 

Pensando por essa perspectiva, o que seria, portanto, uma dança que ninguém quer ver? Subindo aos palcos do Teatro Apolo pela 10ª edição do festival Trema, o grupo GIRADANÇA apresentou seu espetáculo coreográfico “BANDO: DANÇA QUE NINGUÉM QUER VER”. O momento artístico, sob a criação cenográfica de Mathieu Duvignaud, concepção e direção coreográfica de Alexandre Américo, ao contrário do esperado da maioria dos espetáculos da área, quebra o monótono dos corpos já conhecidos e dos passos já esperados.

No tablado com poucos objetos para o uso do processo de cena e circunscrevendo  movimentos pouco esperados pelo público, o espetáculo de dança faz jus ao seu nome. O termo “bando” dentre os significados, o mais comum se refere ao agrupamento de indivíduos pertencentes ao mesmo grupo e espécie. De fato isso ocorre, a proposta do coletivo, antes de mais nada é nitidamente trazer à tona a pluralidade dos corpos e de histórias que esses corpos carregam, quebrando uma estética arcaico-clássica inerente ao pensamento das massas, quando provocado a pensar sobre a dança e os corpos que executam essa arte.

Além disso, durante os quinze primeiros minutos de início do espetáculo, paira no ar a questão “o que é uma dança que ninguém quer ver?” e como um estalo, no décimo sexto minuto de espetáculo, aqueles que não ainda não haviam encontrado a resposta, com um estalo, encontram. As portas do teatro abriram, a plateia entrou e os atores já estão no palco, aparentemente movendo alguns objetos que serão utilizados em cena. Quase ninguém repara no que está acontecendo. 

Seis minutos após a plateia entrar, o elenco continuou mexendo nos objetos em cima do palco e a plateia continuou ignorando o que acontecia ali e as pessoas conversavam entre si. Dez minutos após a entrada e algumas das pessoas  que conversavam resolveram assistir o processo de organização no palco. Quinze minutos depois e “Hey! Agora eu entendi!”, aqueles que ainda conversavam entendem o espetáculo começou desde que entraram pela porta.

Um movimento coreográfico com intenção, bagagem cultural e valor estético era o que estava sobre o palco do Teatro Apolo, mas não cumpria a estética esperada. A mimetização da disputa entre corpos, o processo de exploração dos planos em um palco, a brincadeira no processo de construção de algo ainda não nominado, o improvisar corporal  em face de desafios esperados ou não, a mostra viva do que é um ensaio… era isso que pulsava nos tablados retumbantes do teatro e vibrava para a plateia. 

Espera-se normalmente na arte, normalmente, uma mimetização do real; porém, que essa mimetização traga de alguma forma a perspectiva de um belo hegemônico: músicas bem entoadas, passos com graça, enredos que provoquem risadas e suspiros. O grupo GIRADANÇA propõe justamente o oposto, a mimetização do real no vigor do real, o tempo repetitivo, os passos dolorosos, os tons que tonteiam as cabeças e ouvidos, múltiplos processos executados pelos corpos dentro do hodierno.A arte pode ser brutal, às vezes explora o que para alguns seja talvez a “estética do grotesco”, mas ainda assim não deixa de ser arte e jamais abandona o seu ar de beleza. Ao incomodar e trazer uma dança que não se espera ver, o espetáculo circunscreve movimentos que exploram as impossibilidades do outro e traça novos horizontes de uma perspectiva da dança não caricatamente arcaica.

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Carol Silva
1 ano atrás

Exatamente isso visto naquela quarta feira. A dor do ensaio, a exaustão dos corpos e a perseverança da arte.

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